quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O ANALISTA DE MORUNGAVA

Mário era um tipo metódico e sua vida sempre foi norteada pela simplicidade e sobretudo pela obviedade. Era do tipo que sempre saia com uma capa de chuva, com vários comprimidos na leva tudo. Pegava sempre o mesmo ônibus e trabalhava na mesma empresa como auxiliar de escritório. A vida de Mário era certinha sem sobressaltos. No final de ano ele alugava uma casa em Curaçau (um lugarzinho ali entre Curumin e Arroio do Sal), resultado da economia do ano inteiro. O carro popular fora adquirido num consórcio a duras penas com uma economia hercúlea. Os filhos de Mário, Carolina e João Pedro cursavam faculdade graças a uma bolsa obtida do ProUni. A menina fazia farmácia e o garoto comunicação. Helena a esposa de Mário cuidava da casa e para ajudar na renda da família confeccionava artesanato. Os problemas na vida de Mário começaram há acontecer seis meses após sua aposentadoria. A vida certinha e a rotina diária criaram problemas estruturais e comportamentais. Nos primeiros meses, Mário levantava cedo, por volta das 5h e 45 minutos, tomava banho, antes do desjejum, apanhava o jornal na grama e ainda fazia um afago no Chocolate fiel escudeiro dos Araújo. Café com pão, geléia de morango e cobertura de nata, além óbvio de uma banana e um pedaço de mamão. Após a aposentadoria o cardiologista de Mário após uma avaliação fez um alerta. “ A pressão é boa 12 por 8, mas o colesterol ruim está um pouquinho acima do desejado, mas nada que uma caminhada diária na ciclovia não resolva”. O ritual de levantar cedo era seguido como se Mário fosse para o trabalho. Não raro ele se deslocou até a parada onde pegava ônibus, mas depois de cair à ficha, Mário retornava para casa cabisbaixo e triste. Aos poucos a melancolia tomou conta da vida Mário que para completar a tétrica situação como gremista estava apavorado com a possibilidade do retorno a segunda divisão. Tudo contribuía para a melancolia, gerando em alguns momentos crises de choro, angustia e ansiedade. A vida já não tinha mais cor e nem mesmo as estripulias do amigo chocolate fiel cão motivava Mário. Um dia Helena avisou com o dedo em riste: “Já marquei uma consulta com o Dr. Freudiolino Sigmundo para tratar você. E tem mais você vai ir à consulta, porque a gente não suporta mais a situação”, argumentou a esposa. Para agravar o problema agora Mário parecia prestes a ser internado em uma clínica, pois não dormia mais em seu quarto, uma vez que com os olhos arregalados dizia em alto e bom som: “Tem um homem embaixo da minha cama e ele quer me pegar” Em alguns momentos o medo e o convencimento era tanto que João Pedro olhava embaixo da cama para ver se realmente não havia alguém ali. Consulta marcada, o consultório suntuoso num belíssimo prédio todo envidraçado fazia justiça ao preço. O encontro foi conforme o esperado, o psiquiatra de barba rala e branca, contrastava com os óculos redondos. O olhar aquilineo do profissional quase intimidou Mário. Após uma analise o psiquiatra deforma direta e franca, com mão no queixo, voz pausada demonstrando domínio de causa afirmou que o problema era grave, mas que um tratamento via analise resolveria a patologia. Seria uma sessão de uma hora e meia por semana ao preço de 180,00 cada sessão, num total de 720,00 por mês. O problema é que o tratamento seria de no mínimo de dois anos. Mário imediatamente calculou.... Um ano de tratamento equivaleria a um gasto de 8.640 reais (um carro usado), multiplicado por dois anos somaria um total de 17.280 reais. Mário suava frio e ao final da consulta retornou a sua casa. Após três meses em um supermercado da cidade, o psiquiatra encontrou o Mário no corredor das verduras e ainda impressionado com a patologia psicossomática do paciente em potencial, questionou: “E aí meu caro Mário como está?” “Bem doutor, melhorei muito”, respondeu Mário prontamente. O psiquiatra rebate: “Mas e a questão daquele homem que havia embaixo de sua cama como você solucionou?” O velho Mário sentenciou: “O senhor é um excelente profissional, mas analisando o que eu gastaria com o tratamento para me livrar do homem embaixo da cama, preferi contratar um carpinteiro”. O psiquiatra boquiaberta quase não acreditando no que ouviu perguntou : “ Um carpinteiro, como assim?”Mário sorriu colocando dois pepinos e um pé de alface no carrinho e lascou: “O carpinteiro cortou os pés da minha cama, resolvendo o problema por 50 reais”. Frase escrita nos muros de um antigo hospital psiquiátrico: “Aqui nem todos que estão são e nem todos os que são estão”...

Um comentário:

  1. Parabéns pelo novo blog. E obrigada por ter sido uma inspiração para mim e ter me ajudado nos meus primeiros passos como jornalista. Um grande abraço. Janaina Wichmann.

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