quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O TREM DAS ONZE

Nada acontece por acaso, pois em tudo existe um sentido. Manhã fria de 12 de agosto, eu e minha esposa estamos na capital dos gaúchos, próximo ao Mercado Público os transeuntes enfrentam o trânsito, driblam os veículos e seguem seus destinos, cada qual com seus sonhos, angustias lutas e antes de tudo cada um traz a esperança no olhar.... Próximo ao chalé da Praça XV um mendigo dorme inerte aos acontecimentos, seu cobertor velho, encardido o aquece da frieza e ao seu lado servindo de travesseiro um jornal do dia anterior, mostrando noticias velhas e passadas. Do interior do Mercado exalam vários aromas em especial do café passado na hora... E um homem baixo, barba por fazer anuncia: compro ouro, mais adiante uma mulher propagandeia “fábrica de calcinhas” e seu anuncio misturasse com o de um idoso que grita de forma estridente “Valê, valê, valê... Valê!!!” E o povo segue na sua tétrica romaria. Os jornais do dia trazem como manchete a vitória do Internacional de virada em cima do “Chivas” lá México com atuação de luxo do menino Giuliano e do general Bolívar. Atravessamos a movimentada avenida e nos dirigimos à estação do Trensurb, no caminho nos deparamos com a campanha de um candidato que no santinho promete salvar o mundo. Alguns metros dali, outro andarilho dorme em berço esplendido, tendo os degraus da escada como travesseiro e a seu lado o fiel escudeiro, um cão brazino ali próximo a seu dono em fiel vigilância. Bilhetes comprados subimos a escada rolante, na estação Mercado aguardávamos a vinda do trem. O vento gélido vindo do Guaíba trazia uma sensação térmica ainda menor. Quando aguardávamos o trem das 11 horas da manhã, vislumbro um dos craques do passado, um ídolo que fazia parte da minha infância e do meu álbum de figurinhas do campeonato brasileiro de 1972. Claudiomiro vestia um casaco vermelho e calça jeans, acompanhado por uma jovem senhora. Fiquei ali extasiado pois estava na minha frente um dos maiores artilheiros do Brasil. O homem que fez o gol de inauguração do Beira Rio em 1969. Aproximando-me cumprimentei-o e puxando uma conversa lembrei-o de uma entrevista concedida a este escriba em 1994 quando o mesmo residiu em Campo Bom, mais precisamente no bairro Quatro Colônias. Aliás a mãe de Claudiomiro ainda reside na cidade do sapato e dos sapateiros! Após o bate papo descontraído, o trem das onze se aproxima e Claudiomiro sentou nos bancos à minha frente. Entabulamos mais algumas conversas, ele lembrou que na sexta-feira estaria no litoral participando de mais um jantar do Consulado. Após um silêncio fiquei observando Claudiomiro e seu olhar como que perdido, fitando a paisagem pela janela do trem. Um misto de alegria misturado com um semblante de tristeza. Quem sabe aquele senhor já sexagenário com o rosto sulcado, marcas da idade que chega de forma arrasadora, tal qual os centroavantes goleadores, com seu olhar absorto não estava lembrar dos gols que fazia nos grenais para desespero do tradicional adversário da Azenha? Ou quem sabe não estava a lembrar dos embates com os zagueiros truculentos? A verdade é que Claudiomiro tinha faro e sede de gol. Era do tipo de jogador que deveria colocar na Carteira Profissional de Trabalho, função: fazer gols! O bigorna como era conhecido fazia gols a profusão, aliás, não existe gol feio, feio é não saber fazer gol. Claudiomiro com seus gols geniais fazia as tardes de domingos por vezes cinzentas e frias se transformarem em dias alegres e primaveris. Além de goleador, o bigorna tinha excelente técnica, sabia proteger a bola com seu corpo apesar de baixo, mas atarracado. Raçudo, ele encarava os zagueiros de igual para igual, Claudiomiro não arrepiava, pois sua ânsia era fazer gols e correr em direção a coréia, local extinto no Beira Rio mas que abrigava o povo colorado mais vibrante e apaixonado. O povo da coréia muitas vezes não tinha dinheiro para assistir as partidas e não raro se deslocava a pé até o estádio, sempre para reverenciar o artilheiro. O trem das onze seguia célere e estação Aeroporto uma parada, dois garotos adentram, ambos trajando com as camisetas do Internacional. Os dois guris passam e despercebidos nem mesmo olham para a esquerda, onde no banco em minha frente está um dos ícones do colorado. Fiquei a pensar: a idade chegou, mas com certeza, mesmo que os meninos não o reconheçam seus pais o reconheceriam e o reverenciaram, pois Claudiomiro era craque! Teve problemas fora do campo, sim os teve, mas a maioria dos craques tiveram. O certo é que Claudiomiro era um poeta que fazia sonetos com bola e seus versos sempre rimavam com gols! O campo inteiro cabia dentro de suas chuteiras. Numa das estações a jovem senhora se despede com a frase: “Tchau pai” e seguiu sua rotina. Já na estação Matias Velho em Canoas, Claudiomiro se despende com um “tudo de bom” e se mistura com o povão que anda de um lado para outro. O trem vai se afastando e o centroavante matador do passado, aquele do meu álbum comprado na vendinha do Moraes vai se perdendo do meu olhar, mas tenho certeza que em algum lugar do passado na rede ainda balança seu último gol. E eu segui a viagem, feliz pelo momento impar e mágico. Estava no lugar certo e na hora certa, no trem das onze!

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