quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A SOLIDÃO DOS GOLEIROS

Certa feita algum escriba definiu solidão assim: “É quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma...” No futebol não existe alguém mais solitário que o goleiro, ou melhor, existe, um estádio vazio. Já esteve em um estádio vazio? A solidão ali dói visceralmente, falta algo... Ou melhor, falta tudo. E a solidão dos goleiros é igual para todos, ela é democrática, pois senão vejamos, a solidão de Rogério Ceni, Pato Abondanzieri ou Júlio César é semelhante a dos goleiros de várzea ou dos campinhos das vilas e bairros pobres do Brasil. Não tem sujeito mais solitário que o goleiro. Sempre tive profundo respeito pelos goleiros e descobri o martírio que é ser goleiro, nas brincadeiras em que a gente ficava no gol aí pude sentir epidermicamente o peso da solidão. Talvez por isso nunca tripudiei com os goleiros após marcar um gol, pois respeitava e respeito sua tétrica romaria embaixo dos três paus. Lembro que nos tempos de escola, muitos marcavam um gol e imediatamente, olhavam para o triste e melancólico goleiro, arrasado, na maioria das vezes ainda caído contra a trave de taquara ou de eucalipto e liquidavam com o infeliz com a frase: “busca porco!” Nunca fiz isto e contrariava aqueles que o faziam. E para aumentar as dificuldades na vida dos goleiros, o local onde ele pisa nem grama nasce. Quando toma um penoso é chamado de frangueiro, mas quando faz defesas milagrosas e voa lá onde a coruja dorme, numa plasticidade digna de um quadro de Picasso e veja bem quando falo em Picasso não é aquele que jogou no Grêmio nos 70 e sim o gênio das artes plásticas, pois quando o guarda metas ou guarda valas como era chamado defende tudo, os “corneteiros de plantão”, vociferam: “Não fez mais que a obrigação” ou “Ele está ali para isto”. O goleiro a exemplo do mordomo é sempre o culpado, mesmo não tendo culpa. Existe uma tese quase freudiana que diz que todo goleiro é um sujeito que não deu certo na linha e foi para o gol, penso que não, o Bilú que ao lado do Raul Blos foram os melhores do 15 de Novembro, já nasceram goleiros. A solidão dos goleiros já começa na infância, perceberam que é difícil um guri querer ser goleiro, todo mundo quer marcar gol e ser ídolo, na verdade não querem a solidão. Normalmente os gordos são goleiros natos, já observaram isto? No campinho da escola ou do bairro, os dois capitães vão escolhendo os melhores para cada lado e aí sobra um gordo e não raro se ouve a frase: “O gordo tu vai no gol” Quando o gordo protesta a conversa é a seguinte: “O gordo fica no gol até tomar três que aí a gente revesa”. Pobre gordo passa a partida inteira embaixo dos paus, alías, o gordo só tem escalação garantida na linha se é dono da bola ou se tem irmã bonita, no último caso pode jogar até com a 10. O goleiro carrega nas costas o número um e é o único que não pode errar. Quando alguém comete um pênalti quem sofre o castigo? O goleiro que fica ali abandonado na frente de seu carrasco em meio à solidão da meta. A solidão dos goleiros parece eterna e ele está fadado a assistir a partida de longe. No momento do ápice do futebol que é o gol, já notaram ninguém comemora com o goleiro que fica lá sozinho, mas alguns quebraram esta regra como Rogério Ceni que ao se tornar goleador com as cobranças de faltas, quando marca todos comemoram com ele, mas notaram que por não ser corporativista, sim, onde já se viu um goleiro fazer gol em outro, onde está à cumplicidade e porque não dizer piedade, por marcar gols na própria espécie? Ceni é castigado a não poder comemorar muito o gol, correr para torcida, subir no alambrado, nem pensar, pois o adversário dá a saída e pimba! E aí em um minuto o herói vira vilão e a passional torcida esquece o gol de gênio, de três dedos por cima da barreira e novamente o goleiro vira goleiro, com sua melancolia solitária. O goleiro se parar e pensar é a antítese do futebol, uma vez que sua missão é impedir o que existe de belo, poético e lúdico dentro das quatro linhas: o gol. Os mais antigos citam: Yashin ou Lev Ivanovich Yashin; russo que segundo os entendidos afirmam que o “Aranha Negra” foi o maior goleiro do mundo. Não vi em ação exceto por alguns lances de copas do mundo. Ele participou de quatro copas; inclusive a de 70 no México. Mas para mim o melhor de todos, aquele que virou lenda assim como o Aranha Negra foi Hailton Correa de Arruda, ou simplesmente Manguinha como gostava de ser chamado. Quem não lembra das defesas contra o canhão de Nelinho na final de 1975? Manga fazia poesia com a bola; defendia com uma mão só. Em vespera de grenal retirava o gesso e jogava mesmo com dor e com os dedos tortos, porque amava o futebol e não raro jogava no pife o bicho do domingo, na concentração na noite anterior ao jogo, tudo porque atuava no melhor e maior time que o Internacional montou em todos os tempos (1975/76). Mas mesmo Manga era um solitário, tanto que o Rei Dadá “Dario Peito de Aço” ao marcar um gol na final contra o Cortinthians em 1976, corre o campo inteiro e pula nos braços de Manguinha quebrando assim a solidão do gênio dos dedos tortos e das defesas magistrais. E por estas e outras que respeito a solidão dos goleiros.

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