quinta-feira, 11 de novembro de 2010

PÉRICLES: O CRAQUE DO TWITTER

Péricles cresceu num bairro pobre do Vale do Sinos, filho de pais sapateiros que vieram na época do Eldorado do Sapato nos anos 80, quando a Carteira Profissional era confeccionada pela manhã e a tarde a pessoa já estava empregada. Depois vieram as crises cíclicas e a ameaça dos Tigres Asiáticos (China). Péricles assim se chamava em homenagem ao avô paterno; Péricles de Arruda Miranda; agricultor das bandas de Santiago do Boqueirão. O menino Péricles logo cedo demonstrava habilidades com a bola e já na escola pegou a fama de craque. Todos no momento da escolha dos times queriam Péricles na equipe. Aos domingos pela manhã nas peladas no campinho do bairro o pequeno Péricles era atração, alguns a boca pequena diziam: “Vai jogar no Colorado ou Grêmio” outros afirmavam que souberam pelo filho, do padeiro que o irmão do motorista ouvira falar que havia um empresário de Porto Alegre de olho no guri. Na verdade Péricles gastava a bola. O guri era do tipo atrevido, daqueles estilo Romário “marrento”. Drible da vaca, “meia lua”, “lambreta” que para nós gaúchos é “Charles”, e até os famosos “paninhos” eram peculiaridades do futuro craque do Vale do Sapateiro. Por ser uma espécie de gênio precoce, Mangel, o técnico da equipe do bairro Jardim do Sol, o glorioso Corinthians “O Coringão do Morro”, escalava Péricles mesmo com 13 anos no segundo quadro e com a 10. O menino roubava a cena, a torcida chegava cedo ao campo para ver os dribles e arte contagiante de Péricles. Não raro tinha mais torcida nos jogos do segundo do que do primeiro quadro. Todos queriam ver Péricles e sua genialidade. Gols de falta então era outra especialidade, de três dedos por cima da barreira. Ele batia no estilo Zico, Tadeu Ricci e de Andrézinho, tomava pouca distância a exemplo do velho mestre Enio Andrade, batia sempre procurando ultrapassar por cima do terceiro homem da barreira e a cada dez faltas cobradas pelo guri, oito se aninhavam onde a coruja dorme. Apesar de ninguém fotografar, na maioria delas, o goleiro nem na foto saia! Agora então surge a oportunidade de Péricles, uma porta se abre em uma escolinha de uma equipe de fora do Rio Grande do Sul, mas com uma extensão na região do Vale do Sinos. Péricles morava na área da escolinha num bonito alojamento, recebia um bom salário e um empresário era detentor dos direitos do passe do garoto por 20 anos; tudo graça a Lei Pelé. O salário de cinco mil reais ajudava e muito a família do menino. Até uma garagem o pai do craque construiu e aproveitou para rebocar e pintar a residência internamente. Agora na vila, Péricles apenas assistia aos jogos do Corinthians, o máximo que fazia na beira do gramado, próximo ao para-peito de eucalipto, era embaixadinhas para suspiros dos menores que se espelhavam em Péricles. Quarto com ar condicionado, televisão e até computador com acesso a internet assim era vida do futuro craque no alojamento da escolinha. Por último um telefone celular de última geração. Péricles agora passava a maior parte do tempo na frente do computador conectado no MSN, Orkut e outras parafernálias clássicas da era cibernética em que estamos inseridos. Mas a grande paixão de Péricles era o twitter. Chegava a faltar aos treinos para ficar “twitando”. Era uma espécie de vicio escravizante ao ponto de acabar com o futuro craque. Domingo ensolarado, manhã bonita de primavera e a escolhinha de Péricles decidia o título de juvenis (até 17 anos) com uma grande equipe da capital. Um grande empresário estava no estádio para ver Péricles e comenta-se que o objetivo seria levá-lo para a Europa. O menino estava apático durante toda a partida. No intervalo no vestiário enquanto o técnico fazia a preleção, Péricles “twitava” num canto, alheio ao que o “coach” dizia. A vida de Péricles mudou drasticamente aos 37 minutos da etapa final, a partida estava zero a zero , o ponteiro direito entrou em diagonal, cruzou e na frente do gol, somente Péricles e o goleiro adversário, a bola outrora a maior paixão do menino gênio se mostra sozinha, pronta para ser tocada para o fundo das redes. Era só bater, correr para o abraço, levantar a taça e assinar o contrato com o clube Europeu, porém Péricles estava absorto, desligado. Um misto de surpresa e desespero se abateu no estádio, tudo porque Péricles nem ligou para a bola, pelo contrário, tirou do calção, não um “cachimbo” como Renteria do Inter certa feita tirou, ou uma chupeta como Carlito Tevez. Péricles tirou o telefone do bolso e passou a “twitar”. A bola passou por ele, a vida passou por ele, o sonho passou pelo precoce menino que era craque no campo, mas escravo da cibernética. Onde estão os campinhos dos bairros? Onde estão os meninos correndo atrás de uma bola? Onde estão os Péricles que fazem embaixadas com a pobreza e driblam a marginalidade com a esperança no olhar?

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