quarta-feira, 14 de março de 2012

O RELÓGIO

O relógio desperta e num sobressalto ajeito o esqueleto segundo as orientações da Alice Sander, referência em massoterapia na região, tudo visando proteger as vértebras L-4 e S-5 desgastadas e que invariavelmente me causam dores terríveis. O rádio ligado na Gaúcha AM ouço as primeiras noticias do dia, isto por volta das 5horas e 40 minutos, através do Macedo (Antônio Carlos Macedo) e do Scolla. O mês de março é o mais quente dos últimos 59 anos e Campo Bom continua quente em todos os sentidos, inclusive com intervenções e quartelaços, tudo porque o rei está bravo! Sabe aquele jogador que se a bola não passar por ele, o gol não foi bonito?  Preparo do desjejum enquanto o Koda fiel escudeiro dos Wingert ronrona e bate com a cabeça nas minhas pernas num sinal de carinho, aliás, quando os gatos fazem isto é a forma destes animais incríveis e independentes demonstrarem afeto e amor.  Sigo para a parada da Avenida dos Municípios e logo em seguida já estou rumando para a capital dos gaúchos. No céu não há uma nuvenzinha nem para fazer chá e o mormaço e tempo seco já cedo dão prenúncios de mais um dia extenuante. Aos poucos o pinga-pinga vai lotando e nas imediações de Novo Hamburgo uma senhora que aparenta 70 anos se aproxima do banco onde estou sentado. Imediatamente levanto para dar-lhe o lugar, mas ela recusa e informa que vai descer logo em seguida. Como a mesma está carregando uma bolsa enorme, permaneço sentado em função da insistência, mas ofereço meus préstimos: “A senhora quer colocar sua bolsa aqui no meu colo?”. Sorridente a septuagenária me entrega a bolsa e seguimos a viagem. Próximo a Ginástica de Hamburgo Velho a senhora agradece e avisa que vai descer na próxima parada. Devolvo a bolsa e ela segue não sem antes agradecer e desejar-me um bom dia. Segundos depois percebo um burburinho no corredor do ônibus e para minha surpresa, a senhora retorna e com dedo em riste, passa desferir impropérios a minha pessoa. Transtornada aquela velhinha bondosa e sorridente de minutos antes, me chama de “Vagabundo e ladrão”. Ela afirma que ao verificar a bolsa a carteira contendo cheques, cartão de crédito e dinheiro havia sumido, ou seja, roubaram a carteira da tia. E no colo de quem estava a bolsa? Pensei este é um daqueles dias como diz o filosofo Inácio Brito “Foguinho” grande Britão da Roselândia que se tu abrir uma fábrica de chapéu o pessoal começa nascer sem cabeça. Aos poucos aquela senhora se transformou numa vitima e eu no marginal, pior é que eu me senti o vicitreco do sub-troço do côcô do cavalo do bandido. O clima esquentou quando uma senhora olhando-me com ódio disse: “Porque um homem deste tamanho não vai trabalhar?”, Já um senhor bem idoso sentenciou: “O mundo está perdido, eles não respeitam nem os velhos, de nada adianta o senador Paim fazer o Estatuto dos Idosos” e no fundo do ônibus veio cambaleando um pinguço, todo ônibus que acontece confusão sempre tem um bêbado, já notou? E ele veio tropeçando a disse para a senhora: “Eu já vi este cara e acho que faz parte de uma turma que bate carteira nos buzão. Tem que prender este lacaio” Só não fui linchado porque o motorista avistou uma viatura da Brigada e parou o coletivo. Descemos, eu e a senhora que havia sido roubada. Que vergonha, quantas pessoas de Campo Bom estavam no ônibus e agora? Que vexame. Os brigadianos nos atenderam e ouviram as duas partes, pediram documentos, mas a senhora continuava me ofendendo, chamando-me de ladrão e de outros adjetivos impublicáveis. O soldado pediu calma e perguntou se ela tinha certeza que eu havia roubado a carteira. Ela respondeu que um homem, aquele bêbado que estava dormindo no fundo do coletivo, disse que havia visto e que eu tinha jogado a carteira pela janela numa parada onde os meus comparsas estavam esperando. Pode? Nem o Spielberg teria tanta imaginação (só para lembrar: .... de bêbado não tem dono). Neste momento em plena Victor Hugo Kunz o celular da senhora toca e ela fica vermelha, depois pálida e com um sorrisinho disfarçado observa sem jeito: “Olha minha neta ligou avisando que eu deixei a carteira com dinheiro em casa. Quero pedir desculpas ao senhor”. Ai o Jájá do Morro das Pulgas virou marimbondo, virou galo,  mas como, passo por ladrão, quase sou linchado, estou prestes a ser preso por roubar uma velhinha desamparada e agora só porque ela tem Alzheimer ou sei lá o que, só um pedido de desculpas? Vou falar com o José Roberto Juchem e meter um processinho por calúnia, difamação, danos morais e ganhar uns trocos desta velha, pensei. O brigadiano sentindo a minha revolta intercede e me convence a aceitar as desculpas da senhora. Ela, porém insiste para irmos a sua casa que fica ali perto no Morro dos Papagaios e ao menos tomarmos um café e fazer um lanche. Aceito, afinal quem não comete erros, mas sou um misto de compaixão e revolta. A Brigada nos deu uma carona e ela insiste e os dois policiais também são convidados para participar do lanche. A senhora mora numa casa lindíssima. Após o lanche ela me diz: “Moço vou te dar um presente para tentar amenizar meu fiasco” e sobe a escadaria que leva ao segundo piso da residência ao retornar, no meio da escada ela traz consigo um relógio antiqüíssimo todo folhado a ouro, uma jóia rara e valiosa. Pensei comigo mesmo, vou exigir que ela assine um papel dizendo que me deu o relógio de presente, pois quem garante que ao chegar à rua, ela não entre em surto e diga que roubei o relógio? Mas no meio da escada acontece algo inusitado.... A senhora, o relógio, bem no meio da escada o relógio.... o relógio..., bem nem sei como dizer, mas o relógio.... o relógio desperta e eu acordo deste terrível pesadelo. Que bom foi apenas um sonho...

2 comentários:

  1. Aiiii que susto achei que era real, ja estava com muito pena de ti...rs...rs.

    Mary Oliveira

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  2. Jair... parabéns... essa foi D+ muito boa mesmo... um abração. Lima

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