segunda-feira, 5 de março de 2012

A FAZENDA DA DONA EMERENCIANA

Obra de Luiz Alberto Pont Beheregaray, Berega
Dona Emerenciana velha parteira de campanha se orgulhava de duas coisas, primeiro da profissão, por suas mãos quase 6 mil crianças vieram ao mundo ao longo de quase 70 anos de trabalho sacerdotal. Tia Emerê como era chamada herdou os conhecimentos de sua mãe que também foi parteira. Ela atendia em Morungava mas, também era chamada no Vira Machado, Pega Fogo, Morro da Pedra, Taquara, Morro Negro Maracanã, Gravataí, Glorinha e outras localidades que compõe a Grande Morungava, ou região metropolitana. Chuva, sol, calor, inverno, noite ou dia lá seguia dona Emerenciana para os sítios, fazendolas a ajudar as futuras mamães a trazer seus rebentos ao mundo. A grande maioria dos partos eram pagos com  leite, galinhas, ovos, garapa, ovelhas e até sacos de milho ou querosene. Ela se orgulhava de nunca ter perdido uma mãe num parto. Não raro em noites chuvosas, a velha parteira de campanha seguia no lombo do bainho para mais um parto. Relâmpagos cruzavam o céu, boi-tatá corria nas coxilhas, mas nada impedia a parteira em sua missão. Tia Emerê descendente de bugres conhecia as ervas como poucos – Chá de carqueja para colesterol, erva-bicho para  sarna e outras doenças de pele, marcela para o estomago, de jambolão para diabetes, losna para o fígado, chá de goiabeira para caganeira, caso não funcionasse tinha o velho sabugo, calma aí não é para o que você está pensando, fazia-se chá de sabugo com carvão e a diarréia cedia, conforme a tia Emerê. O segundo motivo de orgulho por parte da parteira era ser brizolista. Na campanha da Legalidade em 1961, Emerê chegou no “Bar do Antonio Porão (Pohren)” na beira da faixa (RS 020), no lombo do cavalo, apetrechada com lenço branco na cabeça lembrando a Hebe Bonafini; Mães da Praça de Maio (Argentina), o lenço maragato no pescoço, vestidão de chita e na cintura atravessado um revólver smith-wesson que pertencera ao Felisberto finado marido de Emerenciana e um facão (não da Adidas) mas era um três listras. Os homens estavam oitavados no balcão ouvindo o Lauro Hagemann do Repórter Esso e posteriormente o próprio Brizola que requisitara a Rádio Guaíba -AM e instalado a mesma nos porões do Palácio Piratini criando assim a Voz da Legalidade “Avante brasileiros de pé Unidos pela liberdade. Marchemos todos juntos com a bandeira que prega a lealdade” A velha parteira mais brava que marimbondo cutucado, observando a inércia dos morungavenses desceu do bainho e perguntou: “Quantos de vocês vão comigo para Porto Alegre, ajudar a defender a Constituição, formar barricadas e ajudar o governador Brizola a evitar que os trogloditas executem o golpe?”. Os homens ficaram atônitos e boquiabertos com a audácia daquela mulher. Como o “macharedo” não se coçava ela gritou: “Se ninguém vai junto eu vou para Porto Alegre seu bando de frouxos, quinta-colunas de uma figa”. explodiu  Emerenciana dando um “pranchaço” de facão em cima do balcão e seguiu pela faixa a cavalo. Chegou a Porto Alegre no clarear do dia, amarrou o bainho na Praça da Matriz, bem na frente do prédio onde hoje funciona o Bar do Darci,  mas não sem antes ter que peitear um brigadiano que não queria permitir que o cavalo ali fosse amarrado. “Eu sou uma patriota e brizolista e estamos em pé de guerra, portanto, vou deixar o bainho aqui e se tu invocar um pouquito más, já  amarro ele dentro no saguão do Palácio. É só duvidar”, avisou tia Emerê. A parteira velha se alistou como voluntária e ficou durante dez dias acampada na frente do Piratini. Na noite em que a Base Aérea de Canoas tinha ordens para bombardear o Palácio, mas acabou não ocorrendo porque os soldados e sargentos furaram os pneus dos aviões e prenderam os graduados. Naquela noite Emerenciana recebeu do governador Brizola um abraço, quando o mesmo conversava com a população na frente do Piratini. Ela contava orgulhosa o que Brizola lhe dissera: “Vamos resistir companheira, nós não vamos dar o primeiro tiro, mas o segundo e o último será dado pelos gaúchos”. O ato  de Emerenciana motivou os morungavenses que se bandearam para a capital e em torno 37 chegaram na frente do Piratini e participaram do maior movimento popular do Brasil. Este movimento derrotou o golpe, ou melhor impediu o golpe por quase quatro anos. Depois de aposentada com 97 janeiros nas costas sinhá Emerê passava os dias sentada na cadeira de balanço que fica na frente da casa ouvindo rádio, lendo ou  manuseando seu Notebook, sim, porque a velha parteira fez um curso e aprendeu a manusear o bicho e até manda os tal emails para suas amigas.  Já doente e carcomida pela idade ela manda chamar o neto e com a voz embargada, melancólica em tom de despedida, pega nas mãos do neto e diz: “- Meu querido, vou morrer em breve, mas quero que você saiba que vou te deixar minha fazenda, os tratores e debulhadoras, os cavalos, vacas, cabras e muitos outros animais, o estábulo e todas as plantações, além de R$ 2.450,00. Cuida de tudo com muito cuidado”, falou sinhá Emerê. O neto não escondendo a surpresa afirma: “Eitaaa vó, eu nem sabia que a senhora tinha uma fazenda. Onde fica?  A velha parteira já fechando os olhos dá um último suspiro antes de morrer e responde:- No orkut...”   100% Morungava – Tem que ter concurso!!   

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