quinta-feira, 29 de setembro de 2011

ESCURINHO AOS 44 MINUTOS...

A noticia da morte de Luiz Carlos Machado (18.01.50) ou simplesmente Escurinho na terça-feira (27.09) me possibilitou um exercício de memória indescritível e fantástico. Você vai ficando mais velho e mais exigente com muitas coisas, mas é preciso o cuidado de não nos tornarmos saudosistas extremados, mas me desculpem os mais jovens: tive o privilégio de assistir o Escurinho jogar. Menino pobre que vivia nas proximidades das ilhas do Guaíba, Escurinho conta que em 1968 assistindo a um grenal, no qual a equipe da Azenha vencera o colorado com uma atuação exuberante de Alcindo e Volmir Maçaroca, ele, Escurinho deixou o estádio chorando e prometeu: “Eu ainda vou fazer muitos gols contra este time”. E não é que o sonho virou verdade.  Escurinho tinha o dom de tornar as tardes de domingos de Grenais em verdadeiras festas para nós colorados. Quando pulava e cabeceava e o Beira Rio explodia, ele saia correndo com o sorriso do tamanho do mundo. Sujeito simples, alegre, com o coração do tamanho do mundo. Certa feita, Escurinho ao invés de pegar dinheiro das luvas após uma renovação contratual, solicitou a locação do Gigantinho, onde promoveu um show de natal, onde trouxe vários grupos musicais entre eles Os Originais do Samba. Os recursos arrecadados foram transformados em alimentos para comunidades pobres de Porto Alegre (poucos sabem disso). Quando recebemos a noticia da morte de alguém como Escurinho a gente fica mais triste, porque o mundo fica mais pobre, a poesia e a beleza do futebol perdem um pouco de sua textura. Recordo 1975, 76 nós colorados do Morro das Pulgas, bairro lendário de Campo Bom alugando a Kombi do seu Otacílio Eloy, pai do Heitor ou mesmo pegando o Citral e se deslocando para o Beira Rio para assistir a uma das maiores e melhores equipes do mundo. Eram tempos difíceis, mas a gente era feliz e sabia. Dinheiro contado para a passagem e para o ingresso na geral e as vezes até na Coréia (que saudade da Coréia). Sempre no mesmo lugar para dar sorte. Não raro dividíamos entre três um cachorro quente e um refrigerante, depois seguíamos pela Padre Cacique a pé até o centro pela Borges, mas sempre de alma lavada por vitórias emblemáticas. E a noite as luzes do centro da capital davam um brilho especial ao então menino que eu era e um som se misturava aos prédios e o vento frio advindo do Guaiba embocava pela Rua da Praia e numa mistura de arrepio, ainda se ouvia pelas ruas de Porto Alegre nas imediações do Mercado Público os sons das buzinas dos automóveis e foguetes vindos dos prédios centrais e o grito que adentrava madrugada: É campão... É campeão. Um dos construtores destas felizes tardes de domingo foi justamente o Escurinho.  Não raro o colorado seguia para Passo Fundo enfrentar o Gaúcho do Bebeto, saudoso Canhão da Serra, dos temidos irmãos Pontes (Daison e João) ou então enfrentar o 14 de Julho e o que dizer do Guarany ou Grêmio Bagé partidas que pegavam fogo e um zero a zero e já no apagar das luzes lá estava o Escurinho fazendo 1 a 0 de cabeça é óbvio. Escurinho além de chutar muito bem com as duas pernas (uma de cada vez) foi talvez o melhor cabeceador do Brasil de todos os tempos. Ele cabeceava de olhos abertos e escolhia onde colocar a bola. Jamais esquecerei à tarde de 05 de dezembro de 1976, Beira Rio lotado e o colorado enfrentava o Atlético Mineiro na disputa de uma vaga na final. O Galo saiu na frente com gol de Vantuir ainda no primeiro tempo. Na segunda etapa Batista empatou com uma bomba de fora da área. E aos 45 minutos quando começávamos a pensar em quais os cobradores das penalidades, Figueroa; o capitão Brander alça uma bola que cai no pé do Dário; o Dadá Maravilha que não deixa cair no chão tocando para Escurinho que cabeceia para Falcão, o mesmo de cabeça devolve para Escurinho que novamente de cabeça vê Falcão; o 8º Rei de Roma penetrar na defesa adversária, Escurinho de cabeça faz um passe mágico e deixa Falcão na cara do goleiro Ortiz. Falcão de pé direito (não pegou na veia e talvez se pegasse não teria feito o gol) acertou o canto direito desempatando a partida, tudo isto sem a equipe do Atlético ter tocado na bola. A jogada segundo Falcão era ensaiada pelos dois há muito tempo a ponto dos companheiros afirmarem: “Isto nunca vai dar certo” E não é que deu!
Escurinho trazia consigo uma mística: os Grenais estavam empatados e ali pelos 30 minutos os olhares de nós torcedores rumavam para o reservado do Inter e quando Rubens Minelli chamava aquele negrão cabelo Black Power e o mesmo tirava o casaco do abrigo e a torcida vislumbrava a camisa 14 nas costas, o Beira Rio irrompia como se tivesse acontecido um gol. Era algo tão mágico que tudo mudava na perspectiva da partida. E o nosso adversário, a equipe da Azenha, sentia este efeito dentro do campo e nas arquibancadas e todos no estádio sabiam que a qualquer momento Escurinho faria um gol. Valdomiro ou Lula cruzavam e lá estava ele, Escurinho cabeceando como se fosse um chute quer no Picasso ou no Cejas, isto aos 44 minutos o que convenhamos era mais gostoso ainda e as vezes até na prorrogação. E a cada gol aquele menino pobre das ilhas do Guaíba corria de braços abertos com aquele sorriso que iluminava as tardes dos meninos pobres e colorados como eu. Aliás, Escurinho adorava sorrir e a fazer gols em grenais e cumprir a promessa feita após o choro naquele grenal de 1968: “Eu ainda vou fazer muitos gols contra este time”. Humildemente resta-me agradecer a vida por ter me dado a oportunidade de assistir Escurinho jogar e fazer magia e poesia com a bola. Morreu o homem Escurinho, mas ficou o mito que fez uma geração como a minha feliz e mais democráticos, sim porque dividir cachorro quente quer algo mais democrático que isto? Parafraseando Pablo Neruda concluo: “Confesso que vivi”.

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