quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O POVO DA CIDADE É GROSSO BARBARIDADE!

Na minha infância passei momentos de rara beleza junto aos sítios de Morungava. Lá foi o meu reino encantado, a escola ao ar livre. Jamais esquecerei a casa branca de alvenaria do tio Dino, com área ao redor estilo casa de praia. Havia várias redes dependuradas para as “ciestas” ao meio dia. Depois do almoço a soneca até às 15 horas é sagrada em Morungava e pelo que consta as pesquisa, o índice de doenças cardíacas, estresse e depressão é quase zero. Suicidio também quase inexiste, aliás, o ultimo que se suicidou foi o motorista do caminhão do leite que era de Gravatai e se matou perto do salão do Ancelmo,  após saber que Celso Roth assumiu o Grêmio. Em Morungava não há pressa nem atropelos. Na casa de meus tios havia muita alegria. Eu e meu primo abríamos as porteiras para a carreta conduzida por tio Dino levar o pasto para o gado ou então quando íamos na cidade levar milho, feijão e batata para trocar por outros mantimentos. As comidas da tia Miúda eram verdadeiros manjares – polenta com molho e carne moída, biju, cuscuz com leite, carne de panela, polenta frita,  cabo de relho, ovo frito ( só no girassol magrão), sagu, pão de milho quentinho com chimia e nata. E a ambrosia mais deliciosa que comi na vida. Não esquecerei jamais os doces de natal, os quais depois de saírem do forno de barro eram pintados com uma cobertura de merengue e depois ainda recebiam uma decoração com chumbinhos coloridos (confeitos). E nos dias de marcação do gado, após todo ritual campeiro, os homens se reuniam no galpão e saboreavam um churrasco. Eu ficava  atento e ouvia todos os causos de galpão contados pela gauderiada. Uma vez organizaram no Morungava uma exposição de pássaros.. A tradicional exposição de canários representaria, inclusive, uma das melhores fontes de renda ao município. Atrairia grande número de criadores que vinham de diversas cidades, inclusive de Porto Alegre. Havia naquela época também as chamadas rinhas de pássaros que não eram proibidas.
Exposição pronta no salão da Igreja lá estavam todos, gaiolas na mão, conduzindo os seus “atletas” para mais uma competição.  As lutas preliminares eram realizadas em um pequeno ringue, em forma de gaiola, montado no centro do terreno.
Tio Dino apareceu por lá na sexta-feira a tarde carregando sua gaiola, que trazia coberta, assistindo ao espetáculo. Entretanto, nunca colocava seu “bichinho”, como costumava dizer, para brigar.  Questionado ele sempre respondia: “Meu bichinho só veio na pecuária e estou agora passeando!...” sentenciava.  Naquele final de semana, aconteceria uma programação diferente: um famoso criador de canários de briga da capital mais precisamente do bairro Chácara das Pedras havia feito um desafio:  Seu canário campeão, conhecido como “Hercules”, enfrentaria, no mesmo dia, todos os melhores canários da redondeza. E a rinha nunca esteve tão cheia. Tio Dino curioso como sempre foi um dos primeiros a chegar, para garantir um bom lugar. As lutas eram realizadas ao ar livre, para delírio dos atentos espectadores. Iniciada a competição, “Hercules” ia destruindo, ou depenando, um a um, todos que cruzavam seu caminho. Sem contar aqueles que intimidados iam desistindo de expor seus pássaros lutadores e saiam de fininho. “Tem mais alguém para enfrentar o meu campeão? questiona o orgulhoso criador, depois de mais uma vitória.  Vendo Tio Dino, na primeira fila, de tamanco de madeira, calça velha surrada e um chapéu de beijar santo em parede com a gaiola coberta, o almofadinha de Porto Alegre provoca: E aí  tchê? Não vai colocar esse bicho covarde para brigar?  A risadaiada foi geral e Tio Dino  se fazendo de morto tira o chapéu, coça a cabeça e como educado que era responde:”Meu bichinho não é frouxo não, doutoriznho! Só que ele só veio na cidade consultar o veterinário... Não veio brigar”  afirmou Tio Dino. “ É covarde e medroso sim!” Continua a provocar.. Está  tremendo de medo!  E tem mais: se resistir mais de dois minutos você ganha todo o dinheiro das lutas.  “Não provoca não, doutorzinho!... Meu bichinho só veio na pecuária!..”, avisou Tio Dino já ficando bravo. “Você ta é se borrando de medo, sim! provoca o criador, para delírio das pessoas que gritavam: Luta! Luta! Luta!
“Ta bem, doutor, eu topo a luta.. Mas tem que ser no viveiro coberto, pois meu bichinho num gosta de multidão!... E tem mais, quero o pagamento adiantado... Se eu perder devolvo tudo” alertou Tio Dino. Trato feito, assim que o campeão de Porto Alegre foi solto no compartimento escuro, o velho Arcedino Nunes caminha vagarosamente como se estivesse conversando com seu bichinho.  Então solta o bicho, e fecha a porta. Imediatamente um alvoroço é ouvido vindo de dentro do viveiro e todos correm para acudir. Arrombam a porta e...  Enquanto o desesperado criador recolhe as últimas penas que sobraram de “Hercules”, Tio Dino vai saindo de mansinho, contando o dinheiro:
 Bem que eu avisei... Meu gatinho Sarney só tinha vindo no veterinário e não queria lutar, mas o doutorzinho insistiu tanto!...”

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