quarta-feira, 6 de maio de 2015

NEGO DI E AYRTON SENNA

Diogo sabia fazer gols e sorrir. Ele tinha a capacidade de transformar as tardes cinzentas e melancólicas em domingos ensolarados, mesmo aos 43 minutos com um gol
O futebol é perspicaz e propenso a criar lendas e paixões. Uma estranha magia que transforma em saga, cria mitos, heróis, glórias e tragédias.
Cresci no outro lado do arroio Schmidt, ou seja, na margem acima da Andradas mais precisamente no Rio Branco e portanto torcedor do Oriente, clube que tive o privilégio de defender, mas cresci e também joguei no 15 e descobri que os guris que defendiam o tricolor não eram os “bundão do centro”. Aprendi que os meninos do 15 e Oriente eram iguais no que se refere paixão pela bola. Salvo as rusgas inerentes a rivalidade existente, o resto era bola e mais bola, aliás, naqueles tempos não havia internet, whats, face e outras ferramentas. O que de mais moderno que existia era o Teatro Teleco que se instalava na Avenida Brasil no local onde hoje funciona o Rissul (depois eu mando a cobrança do comercial).
Nós assistíamos as peças noturnas, mas a preferência era pelo Big Show, domingo à tarde, uma espécie de show de calouros. Outro avanço tecnológico era o Cine Rio (cinema) e as matinês de domingo à tarde com os filmes de Django, Dólar Furado, e Bruce Lee. Quando passou Meu pobre coração de luto do Teixeirinha foram feitas três sessões, as lágrimas foram tantas que inundaram a loja Feira Marisa do Tauffic causando grande prejuízo. O cinema ficava onde hoje funciona a Moinho na Voluntários da Pátria.
Pois bem, me orgulho de ter assistindo o 15 de Novembro ainda amador. Eu vi, meninos eu vi! Vi Ismar Reichert, Bilú, Celso Bock, Dé, Elton, Polenta, Luia, Renatinho, Claunir, Schuetz,Trott, Naldo, Helinho, Luizinho, Popa e tantos outros que formaram duas, três gerações de ouro do futebol amador do Rio Grande. O 15 era chamado de “Os professores de futebol” Mesmo orientista sempre fui um apaixonado pelo futebol e como dizia o grande intelectual Eduardo Galeano “... Não passo de um mendigo do bom futebol. Ando pelo mundo de chapéu na mão e nos estádios suplico: uma linda jogada pelo amor de Deus! E quando acontece o bom futebol, agradeço o milagre – sem me importar com o clube ou o país que o oferece”.
Cresci e não houve outro jeito e como meia direita ou falso ponta esquerda fechando o meio descobri que sou um bom repórter. E segui minha senda e presenciei algo extraordinário. Tive o privilégio de conhecer e conviver com um dos melhores atacantes que vi jogar, seu nome? Claudelir Diogo João, ou simplesmente Diogo. Os mais íntimos o chamavam carinhosamente de nego Di. O Linhares que hoje está morando em Barcelona quando repórter também o chamava de Abdu numa alusão ao craque de renome internacional. Diogo era goleador, atacante habilidoso, chutava com as duas pernas (uma de cada vez), excelente cabeceador, bem como tinha muita velocidade.
Diogo era o que hoje chamam de atacante moderno. Gostava de fazer gols e sorrir. Dentes brancos como marfim e um coração do tamanho do mundo. Diogo veio para o 15 de Novembro ainda em 1993 na transição do amador para o profissional pelas mãos do Celso Bock que na minha opinião se tivesse seguido carreira como técnico profissional, hoje estaria na turma da elite do futebol brasileiro. O nego Di vivia no Rio Branco, amado pela turma do bar, sempre de bom coração não raro repassava o valor do bicho a algum pai de família desempregado que chorava as mágoas ao atacante tricolor. Diogo chorava junto e ajudava. De bom coração e ingênuo em alguns momentos, Diogo não suportava as injustiças desta vida e muitas se escondia num copo. A turma do bar eram os amigos mais que fiéis. O nego Di era um centroavante matador, as vezes passava a partida inteira sem uma grande jogada, mas aos 43 minutos pronto, bola na área gol de Diogo e o povo feliz. Ele parecia aqueles cachorros que estão dormindo no portão da casa e tu não dá nada por ele, entra pátio adentro e antes de chegar à porta da casa, ele te morde o calcanhar, assim são os goleadores, assim era Romário, assim era Flávio Bicudo, Dáda Maravilha, André Catimba e Fernandão.
Diogo em 1994 sob o comando de Casemiro Mior fez gol tipo bicho. (16 gols). Goleador do gauchão 1994 (segundona), estava na lista para ser contratado pelo Internacional, que acabou trazendo para o Beira Rio, Zé Alcino do São Borja que depois jogou no Grêmio e no futebol japonês. Cá entre nós: Diogo com uma perna amarrada nas costas jogava mais que o imprevisível Zé Alcino. O problema era fora das quatro linhas. A vida é dura e as vezes se dilui de forma etílicia.
No dia 1° de maio de 1994, o 15 jogaria com o Novo Hamburgo no Santa Rosa. Clássico do Vale, a torcida tricolor lotou 20 ônibus e invadiu Nóia. A geral do Santa Rosa ficou tomada pelos campo-bonense que eram maioria no estádio. Mas antes da partida estávamos ali no restaurante da piscina e veio a noticia por volta das 13h e 30min de que Ayrton Senna, o nosso Ayrton do Brasil havia morrido na fatídica curva Tamburello.
Nós da imprensa e os demais ficamos perplexos e lembro que o Linhares meu colega que atuava em outro jornal (O Fato) com os olhos cheios de lágrimas apenas olhou para mim, como quem diz: não é verdade. Mas pior que era a mais triste verdade. Num primeiro de maio dia do trabalhador e não do trabalho como muito tentam aplicar, morria o nosso Ayrton que era da Silva como tantos brasileiros. Neste instante aconteceu algo mágico. Os jogadores do 15 começavam a seguir para o ônibus e o nego Di vendo nossa tristeza para e diz: “O do jornal sei que vocês estão tristes, mas hoje a tarde o nego Di vai fazer o povo sorrir”.
O clássico iniciou pegado e o tricolor abriu o placar com Sandro Oliveira, porém na etapa final mesmo jogando melhor o tricolor cedeu o empate. O Nóia marcou através de Paulão. Aos 42 minutos na goleira do centro no Santa Rosa, o zagueiro Piccoli (hoje técnico do Juventude) desarma Márcio e toca para Diogo. O atacante recebe a bola no meio campo, a zaga anilada costumava fazer a linha de impedimento e saiu, esperando que Diogo lançasse, porém aí é que difere o craque do perna de pau, Diogo segurou um pouco a bola e lançou no ataque para ele mesmo, ou no ponto futuro como diria o capitão Coutinho. Avançou em velocidade ganhou da zaga que ficou atônita. O goleiro Dagoberto saiu fora da área e antes de chegar, Diogo de fora da área de perna esquerda por cobertura chutou. A bola percorreu uns vinte metros, mas parecia uma eternidade. De um lado os torcedores anilados tentavam tirar com os olhos e na geral os campo-bonenses se preparavam para orgásmica comemoração, sim porque o gol é o orgasmo do futebol! Dagoberto volta, mas para no meio do caminho, também tentando tirar com os olhos, pois era só o que restava para ele. O outro personagem, Diogo olhava com olhos de lince. A bola esta senhora caprichosa que gosta de ser tratada de tu, morreu no fundo das redes.
A geral do Santa Rosa veio abaixo e Diogo saiu em direção ao seu povo naquele estilo que ele costumava comemorar os gols, fazendo aviãozinho de braços abertos. O sorriso de marfim, alegria estampada no rosto do goleador. Antes de chegar à tela para vibrar com a nação tricolor, Diogo ainda passa por mim e pelo Linhares que vibrávamos abraçados e diz: “O do jornal não falei para vocês que o nego Di faria o povo sorrir” e se foi como um nobre africano, um guerreiro Zulú, sua majestade Abdu Diogo, ou simplesmente o nego Di para nós o seu povo do Morro das Pulgas; o Rio Branco.
Na arquibancada a torcida tricolor cantava “biriri, bororó... pegamos o Nóia e óh oh óh”, com direito a coreografia e tudo no óh, óh,óh.
O futebol carece de atacantes como Diogo que tinha a capacidade de fazer sonetos com a bola e transformar tardes de domingos cinzentas em dias ensolarados. E parafraseando o poetinha Vinicius de Moraes “Me perdoem os pernas de pau, mas ser craque é fundamental".
Diogo fazia gols e fazia o povo feliz. Gols bonitos e gols feios, aliás, não existe gol feio, feio é não fazer gols, que o diga os Rafael Mouras e os Brian Rodrigues da vida!
Eu Jair Wingert; jornalista estava lá e vivenciei esta cena. E amigos e amigas: confesso que vivi!
Esta é uma das formações do 15 de Novembro em 1994 com: Professor Moacir, Fábio, Piccoli, Roberto Caçapava, Gerson, Giovane, Giovane I. Agachados: Tio Pedro; massagista, Lela, Diogo, Balalo, Jorge Luis e Paulo Leandro.


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