terça-feira, 7 de julho de 2015

O CLÁSSICO DOS CLÁSSICOS - MORUNGAVA X GLORINHA

A educação é chave para transformar o meio em que vivemos. O novo homem só surgirá com investimentos pesados em educação. Também creio que o esporte é uma forte ferramenta de inclusão. Você já parou para pensar, quantos campinhos de futebol existem no seu bairro? No Rio Branco anos 70 e 80 havia no mínimo cinco campinhos e todos sempre estavam lotados. O menino que hoje corre atrás de uma bola, amanhã não vai correr da Policia com um três oitão na cintura. No meu tempo craque era quem jogava bem futebol e só. Tem coisas que se eu contar ninguém acredita. Um dos grandes clássicos da região que integra a Grande Morungava, era justamente Morungava e Glorinha. O torneio chegou aos finalmente e a grande final envolvia dois adversários ferrenhos. Não raro os encontros do esporte bretão, ou seja, os prélios entre Morungava e Glorinha terminava em brigas históricas que varavam a noite (prélio, esporte bretão e varavam, o que é a cultura???) Facão, tiros, pedradas, taquaradas eram uma constante. Uma vez numa decisão a briga foi tão grande com tanto tiro que furou a taipa do açude dos Schreiber e deu enchente no Morungava. O árbitro desta partida foi o lendário... Arcedino Vieira Nunes; o tio Dino. Ele apitou a partida final com dois revólveres na cintura e uma caixa de balas nos bolsos. Cada falta apitada ou cartão dado, tio Dino dava um tiro para cima. Encerrada a partida, o velho Dino de tanto tiro que deu inchou os dedos indicadores que não conseguiu tirar as armas das mãos. Somente na segunda-feira ao meio quando os dedos desincharam é que conseguiu tirar os revólveres das mãos. Contando ninguém acredita. Três anos depois outra final. O primeiro encontro aconteceu no campo do Glorinha; chamado de Maracanã. O clássico terminou empatado em 4 a 4 com o Glorinha marcando o gol de empate aos 54 minutos do segundo tempo, lembrando um jogo entre um time da capital e o Caxias. O interessante é que o árbitro era indicado pelo dono da casa, ou seja, em Morungava a arbitragem estaria a cargo do trio – Arcedino “tio Dino”, e como auxiliares – Heitor e Ismael. A semana inteira o Morungava se preparou. Os jogadores até exercícios fizeram, correndo ao redor do campo. A direção liberou verba para comprar em Porto Alegre na Ughini uma bola nova de couro. Coisa linda, um gomo branco e outro preto. Domingo pela manhã mês de julho, cerração baixa, gramado molhado e um frio enorme, mas nós estávamos lá ajudando a marcar o campo com cal. Os vestiários e a copa também foram caiados. Rede nova, goleiras novas com eucaliptos cortados na sexta-feira. Atrás da copa a equipe dos foguetes traçava um plano para soltar três mil tiros quando o Morungava entrasse em campo. Na copa tudo preparado, pasteis, ovo cortido, biju, rapadura e novidade um negócio chamado chiclé Ping Pong que vinha com as figurinhas do campeonato brasileiro de 1975. As bebidas eram sódinha da Cassel, Água da Pedra de Rolante e as cervejas Serramalte e Polar. A cerração levantou e o sol rachou. Para preservar o gramado os jogos do veterano pela manhã e do segundo quadro foram cancelados. A equipe de Glorinha veio em duas Kombi e a torcida chegou soltando foguetes em seis caminhões clima ficou tenso lembrando o clássico Boca Juniors e River Plate salvo é obvio as devidas proporções. Dentro do ritual do futebol, as camisas do Morungava foram benzidas pela dona Lilóca; poderosa nas preces. O técnico do Morungava era o Duarte; delegado em Porto Alegre que treinava a equipe e atuava como volante. O grande ídolo do Morungava era o atacante Sula; goleador da competição com 17 gols e que já atuara nos juvenis do Internacional e como profissional do São José de Porto Alegre, treinado pelo então iniciante Ênio Andrade. Sula chutava com os dois pés, cabeceava bem (sabia fazer gol) e tinha um drible nojento. Era o ídolo da torcida ao lado do meia Alceu e do zagueiro Loth. A equipe do Morungava concentrou no Hotel do Antônio Pohren que todos chamavam de Antônio Porão. O hotel e restaurante ficava na beira da estrada que liga Taquara a Porto Alegre, a RS 020 bem na entrada para o centro de Morungava. Nesta estrada nos anos 60 havia as corridas de carros (baratas), onde os Morungavense ficavam no barranco esperando passar a barata do Catarina Andreatta, do Rosito ou do José Asmuz. O local era local parada obrigatória a quem se deslocava para praia. Não havia a Free Way e Morungava era a rota certa dos veranistas que no restaurante do Antônio Porão saboreavam o almoço caseiro, ou o café com cuca, linguiça do Alebrandt, ovos estrelado com pão caseiro quentinho feito pela dona Verena. Havia no campo no mínimo três mil pessoas, os parapeitos foram logo ocupados. No vestiário do Morungava, Duarte pedia calma e marcação sob pressão. O massagista Lealdino dava um gole de um produto que ninguém sabia ao certo o que era, mas esquentava até as orelhas dos atletas. Uns diziam que a poção mágica do massagista era composta por dez comprimidos de “Reativan”, um tubo de cebion 2 gramas e muita água, mas o velho massagista nunca revelou a fórmula mágica. O Morungava entrou em campo para o aquecimento e ainda hoje lembro o cheiro do óleo verde, produto usado para esquentar a musculatura e muito utilizado pelos jogadores inclusive profissionais. O óleo verde era fabricado pelo Laboratório Catarinense. Aquecimento feito, o Morungava voltou ao vestiário e logo em seguida entra em campo sob uma chuva de papel picado e três mil tiros de foguetes. A “bombonera” era ali meu povo! O jogo apitado pelo tio Dino iniciou e logo o Glorinha chutou uma bola no travessão. O Morungava não se encontrava em campo, errava passes. A bola não chegava até o centroavante Sula que estava como um leão a espera de uma bola, uma única bola. Sula era do tipo dos atacantes que agem como aqueles cachorros que ficam ali no portão deitados dormindo e ai tu entra, pensando “esse guaipeca” só dorme, mas quando tu estás a dois passos da porta, sente uma mordida e uma dor lancinante no calcanhar, olhando para trás e eis que o guaipeca está grudado no teu pé. Assim são os atacantes matadores que se fazem de morto para comer o coveiro. Assim era Flávio Bicudo, Dário “Dadá Maravilha”, Romário, Geraldão, Fernandão, Nilmar, Baltazar, Andrè Catimba e o Sula. O Glorinha abriu o placar numa falha da zaga, fez 2, 3, 4, 5. O primeiro tempo terminou 6 a 0 para o Glorinha. Dizem que no vestiário como fez um presidente de um clube da capital anos depois abriram um garrafão de vinho para comemorar. A torcida do Morungava não acreditava no que estava vendo. Alguns torcedores mais incrédulos disfarçaram e entraram num canavial e foram embora. Os torcedores mais supersticiosos afirmavam que o Glorinha havia encomendado uma mandinga para ganhar o clássico e amarraram os jogadores do Morungava. Se isso funcionasse o campeonato baiano terminava empatado. Segundo tempo inicia e a catástrofe avança num estilo de épico grego. O Glorinha faz 7, 8, 9 e aos 36 minutos faz 10 a zero. Aos 38 minutos pênalti contra o Morungava, a cobrança com perfeição decreta 11 a zero, vexame pior só 7 a 1 contra a Alemanha anos depois sob a chancela do prepotente “Felipão Scolari”. A torcida do Glorinha comemorava e apenas uns 150 torcedores do Morungava aguardavam o término da partida presenciaram algo inacreditável. Aos 42 minutos, o lateral Orlando (irmão da Iolanda Margarida) pegou a bola tabelou com o meia Alceu que alçou a chinóca. Na entrada da área na goleira da estrada, Sula mata no peito e de voleio acerta uma bomba, a bola bate na junção entre a trave e o poste, na forquilha, ali onde a coruja dorme, porém não entra. A goleira fora pregada as traves e para reforçar foi colocado um arame que se soltou ficando um fio de no máximo dez centímetros. Pois não é que a bola ficou pendurada neste fio e com a força do chute ficou balançando, para dentro de para fora do gol e a cada vez que ultrapassava a linha tio Dino atento apitava gol. Quando chegou a 12 gols a bola esvaziou em função do furo com o arame. A partida terminou em confusão, mas o Morungava comemorou mais um título. O Glorinha tentou protestar, mas o ditado é certo troféu no armário ninguém mais tira. Contando ninguém acredita, parece mentira, mas não é. – 100% Morungava – Tem que ter concurso. Jair Wingert; jornalista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário