segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A GELATINA DA ESPERANÇA E O CHEIRINHO DA MAMÃE

Algumas coisas nos marcam profundamente e enquanto viver neste planeta, até cumprir minha missão, carregarei comigo dois episódios aos quais agradeço diariamente ao Deus criador e mantenedor do universo por poder ter sido eu o escolhido para vivê-los.  Criamos em Campo Bom em 2006, enquanto dirigentes da ADRA – Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais, entidade presente em 204 países do planeta, o Natal Sem Fome, onde arrecadávamos alimentos nos bairros – 25 de Julho, Cohab Leste, Rio Branco e Paulista. Na noite de natal uma média de 140 famílias recebiam alimentos, roupas e brinquedos num emocionante e magnífico concerto de natal com música e mensagem. Fornecíamos o alimento físico e espiritual, além de encaminhamento de muitos para um emprego, bem como, palestra de orientações e cursos. Lembro que dom Helder Câmara dizia: “Quando dou alimentos para os pobres, a direita diz que sou comunista e a esquerda diz que sou demagogo, mas como vou falar de Jesus para alguém com a barriga roncando de fome? Distribuo o alimento e depois deixem que falem”, afirmava o grande Dom Helder; arcebispo de Olinda. Numa noite quando entregávamos as cestas básicas na sala da ADRA, notei que um menininho de um bairro pobre de Campo Bom estava chorando, questionei sua mãe se ele não havia recebido a bola ou o carrinho que estava destinado para os meninos, as meninas recebiam bonecas. A jovem senhora que trazia consigo as mazelas desta vida estampadas no olhar quase sem esperança, me afirmou: “Não é nada. Ele ganhou o carrinho sim. Ele está se bobeando”. Como o menino continuava o choro abafado e olha a pior coisa é a gente ter que chorar escondido ou esconder o choro. Novamente indaguei a jovem senhora do por que do choro do rebento. Ela com um nenê de colo e mais uma menina na mão, na verdade uma menina segurando outra,  olhou dentro dos meus olhos e disse: “Vou contar, mas o senhor não vai rir de mim?”Respondi que não e que ela podia confiar. Ai aquela mãe com os olhos marejados me contou:” É que o..... perguntou o que era aquela caixinha cheirosa dentro da sacola de alimentos e eu disse que era gelatina. Sabe ele ficou emocionado e chorou por isso, por que com seis anos de idade, ele nunca comeu gelatina tio”. Ali descobri um pouquinho melhor o sentido do natal e aquela gelatina de morango deveria ter o nome de sabor: esperança! Ainda no natal sem fome um dia fazíamos uma entrevista e um cadastro com uma família pobre da Baixada, próximo a Prainha, onde a mãe havia morrido de câncer, o pai que trabalhara numa olaria estava muito doente. Agora uma menina de doze anos se tornara a mãe da casa, cuidando dos irmãos menores, fazendo almoço, janta, lavando roupas, limpando a casa, dando remédios para o pai e ainda estudando. Esta menina nos contou que sua irmãzinha de cinco anos sentia muito a morte da mãe, principalmente a tardinha quando sentava no colo da mamãe recostada contra o peito daquele corpo alquebrado pela doença e que buscava forças para manter a seiva da vida correndo nas veias. A pequena não dormia e chorava muito. A noite se dirigia até o quarto da mãe e ficava ali por horas. Um dia a irmã maior ficou cuidando e observou que a pequena se dirigiu até a penteadeira e passou a mexer nos vidros já quase vazios de perfumes. “O que você está fazendo aí? ”, perguntou a irmã mais velha. A resposta foi dura, porém comovente: “Eu venho aqui e abro os vidros de perfumes e aí lembro do cheirinho da mamãe. Mana a saudade da mamãe está doendo aqui dentro. Quando ela vai voltar? Quando? Será que é neste natal? “, disse a pequena com mãozinha apontando para o peito. Os colegas continuaram o cadastro, mas este escriba saiu até os fundos da residência, onde pode chorar sozinho.... Minhas lágrimas se misturaram com as águas do Rio dos Sinos e mais uma vez aprendi uma grande lição e outra experiência sobre o verdadeiro sentido do natal. Você já fez tudo o que podia por seu semelhante? Pense bem... –   
  

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