quarta-feira, 1 de junho de 2011

A LAMBRETA DO DAMIÃO

O grande Rui Biriva certa feita num Acampamento da Canção defendeu a música mais popular do festival  “ O centroavante do Clo-Cló” que contava uma história de Schutz um atacante matador que vestia a 9 deste time campo-bonense. Por falar em futebol lembrei que em Morungava  as competições eram de lascar e não raro terminavam em pancadaria. Em 1978 decisão do regional, na segunda partida o Morungava decidia o título em casa contra a equipe do Mato Fino. No primeiro jogo na casa do adversário o Morungava do Sula, Alceu, Loth, Duarte, Orlando (irmãos da Iolanda) arrancou um empate em 1 a 1. Não havia gol qualificado e só uma vitória daria o título a qualquer uma das equipes.  Não havia Liga de Árbitros (nem a gente conhecia o Delar Jost e o Carlos Schuck) e aí era feito um sorteio entre quatro pessoas indicadas, duas de cada time.  Para a partida final o tio Dino ganhou o sorteio para dirigir a decisão e os bandeirinhas ficaram com o pessoal do Mato Fino e o quarto homem, de Morungava ficou como árbitro reserva.  Campo sem alambrado, só para-peito e o contato com a torcida era imediato e perigoso muitas vezes. Tio Dino que dava nó em pingo d’água e não cozinhava na primeira fervura montou uma estratégia para garantir o comando da partida, apitou o clássico com dois revolveres ”três oitão”. A tia Miúda fez um calção preto com dois bolsos enormes nos quais tio Dino transformou num deposito de balas para garantir a munição. A cada falta apitada ou cartão amarelo dado, o velho Dino de guerra dava um tiro para o alto. Tomou conta da partida. Resumindo o Morungava ganhou por 3 a 1 com dois golaços do Sula e um do meu Dindo o Alceu (irmão do Alcides). O problema é que de tanto tiro que o tio Dino deu na decisão, inchou os dedos indicadores das mãos e os revolveres não saíram mais. Somente segunda-feira perto do meio dia os dedos desincharam e aí ele pode retirar os instrumentos bélicos das mãos. Dentro do campo tudo tranqüilo, ninguém expulso, nem mesmo peitaram o juiz ou reclamaram da sua atuação. Mas as torcidas no final se atracaram numa peleia das feias. Olha foi tanto tiro que furaram o açude dos Schreiber à bala e deu enchente no Morungava e arredores...
     A verdade é  que não sei se estou ficando velho e mais exigente, mas me desculpe, mas eu ví Flávio Bicudo jogar e fazer gols de três dedos sem tomar muita distância. Os gols de falta de Flávio eram tão bonitos que os adversários que ficavam na barreira se pudessem ficariam de costas para ver o gol de forma privilegiada.  Ví Dário parar no ar e Roberto Dinamite explodir a rede do goleiro adversário. Não me leve a mal, mas ví Reinaldo, Nunes, André Catimba. Ví o maior de todos os jogadores, o Rei Pelé. Ví Claudiomiro... Ví Geraldão que conhecia o cego dormindo e o rengo sentado! E mais recente ví Nilmar e Fernandão... Aquí ví o Elucio Schmidt no final de carreira no XV de Novembro, mas ainda era genial.  Tive a grata satisfação ver jogar o Claudelir Diogo João, ou simplesmente Diogo. Para os mais próximos o “Negro Di” ou “O Pérola Negra”.  Diogo chutava com os dois pés (um de cada vez) e também era exímio cabeceador. O negro Di não tinha pena dos goleiros, aliás, o atacante que tem pena de goleiro está fadado ao fracasso. Em 1º de maio de 1994 no Santa Rosa contra o Nóia (no mesmo domingo em que Senna morreu), a tarde Diogo fez um gol antológico no clássico vencido pelo tricolor campo-bonense por 2 a 1. A cada gol Diogo corria de braços abertos e com sorriso de orelha a orelha. Diogo em campo era certeza de gols. O Negro Di fazia prosa e verso com a bola. Também ví Ronaldo Nazário que não era deste planeta, mas o maior de todos na minha avaliação se chamou Romário. Este conhecia o caminho do gol e não raro perdia, creio que propositalmente o ângulo para tornar mais difícil a sua obra de arte. No final de carreira o baixinho ficava alí “amurcegando” como quem não quer nada. Sabe quando tu entra num pátio da casa e tem um cachorro gordo dormindo no portão. Tu passa e não dá nem a mínima para o guaipeca, mas antes de tu chegar na porta da casa, ele já furou teu sapato, a meia e o pé. Romário se fazia de morto. Quando falava era incontrolável, mas muito mais quando jogava. Seus malabarismos inflamam o campo. Ele decidia um jogo num derradeiro minuto. Assim foi Romário integrante de um grupo seleto de mágicos que atuam com a número 9.  Os centroavantes ao contrário dos goleiros que são a antítese do futebol, pois impedem o que de mais bonito existe que é gol, são a plasticidade, a beleza e o encanto magistral. Um bom centroavante é certeza de finais de domingos alegres. Por isso quando surge um menino como Damião ou “Damigol” é que volta o encantamento e de forma epidérmica escrevo: nem tudo está perdido. Damião mesmo sozinho, isolado pelo esquema burro de Celso Roth e pelo equivocado de Falcão, mesmo assim o menino pobre de Santa Catarina de cada dez bolas que chegam na área, ele faz oito (porque tem os enganadores – vide Alecsandro que graças a Deus está no Vasco. Este se escondia e de cada dez, fazia um). Damião é uma voz que clama no deserto e num lance que só um centroavante genial é capaz de executar, na linha de fundo, quando o perna de pau tentaria cavar um escanteio ou se atirar para tentar um pênalti, Damigol faz o inusitado e ao estilo moleque de Charles Chaplin, Damigol mete uma lambreta no truculento beque do Juventude, cruzando para Tinga fazer o gol da classificação. Não tenho dúvidas que Damião será o 9 da seleção em 2014, mas o que me deixa triste é acordar e saber que no máximo até o final do ano não mais veremos Damião com a 9 do colorado, pois será vendido para a Europa. Encerro minha crônica primeiro parafraseando Vinicius de Moraes: “Me perdoem as feias, mas beleza é fundamental, ou seja, ”Me perdoem os pernas de paus, mas genialidade é fundamental”. Segundo Eduardo Galeano no livro Futebol ao sol e a sombra (editora L&PM):
“Não passo de um mendigo do bom futebol. Ando pelo mundo de chapéu na mão e nos estádios suplico: uma linda jogada pelo amor de Deus! E quando acontece o bom futebol, agradeço o milagre – sem me importar com o clube ou país que o oferece”

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