terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A CAMISA DA ESPERANÇA (PAPAI NOEL EXISTE)

Corria o ano de 1975 e nós colonos perdidos no asfalto, vivíamos em Campo Bom o período de ouro das exportações de calçados. Viemos da roça em busca de dias melhores movidos pelo sentimento dos retirantes: a esperança. Em Campo Bom após alguns anos a família Wingert conseguiu adquirir a tão sonhada casa própria no bairro Rio Branco. Neste bucólico bairro eu e meus sobrinhos vivenciamos os melhores anos de nossas vidas. Vivíamos com extremas dificuldades, mas na beira do fogão a lenha a família estava unida, ouvindo ao anoitecer as histórias contadas pela avó e pelos pais. Nossa família sempre teve uma tradição colorada, aliás, os Wingert são colorados e os que não são tem que verificar porque talvez não sejam Wingert ou precisam  fazer terapia. Na década de 70 o Inter tinha um dos melhores times do mundo com Falcão, Figueroa, Manga, Flávio, Lula, Valdomiro e outros expoentes. Lembro que os natais em nossa casa sempre eram marcados pelo amor e união da família. Não fazíamos ceia com peru, mas o almoço de natal com bife, salada de maionese e uma “Coca família”, numa garrafa de litro era um verdadeiro manjar comprada no armazém do seu Moraes. Presentes eram raros em função das dificuldades, mas o natal de 1975 foi inesquecível, pois minha vó perguntou o que gostaríamos de ganhar e ouviu de mim e de meus dois sobrinhos (Laone e Everaldo) que queríamos muito uma bola número 5 e eu afirmei que gostaria muito de ganhar do Papai Noel a camisa número 3, a do Figueroa, o Laone pediu a número 8 do Caçapava e o Everaldo a número 5 do Falcão. Lembro que minha avó disse que era preciso sonhar e que talvez Papai Noel trouxesse tais presentes. Na véspera de natal na casa dos Wingert o ritual era o mesmo, minha mãe retirava do forno de barro os doces de natal e na mesa da cozinha sentávamos para ajudar a pintá-los. Um prato repleto de merengue e um copo cheio de confeitos tipo chumbinhos coloridos. Minha mãe passava o merengue branquinho com uma colher nos doces e nós polvilhávamos os doces com confeitos coloridos. Para nós eram verdadeiras obras de arte tipo os quadros de Picasso ou Portinari salvo é obvio as devidas proporções. A seguir os doces permaneciam na mesa até o amanhecer para secar. Mas naquele natal observei que minha vó não estava participando do ritual de pintar os doces e foi aí que ouvi um barulho vindo de seu quarto, tipo uma máquina de costura trabalhando. Disfarcei e me esgueirando pelo corredor da casa de madeira na Tapajós, aproximei-me do quarto da Vó Guina e olhando por uma fresta da porta, a vislumbrei junto à máquina de costura manual e sob luz de lamparina a costurar uma camisa. Uma camiseta!!! Meu coração acelerou, pois o número era o 3 e a camisa era vermelha. Fiquei ali aguardando astutamente a velha matriarca virar a camiseta e costurar o distintivo do Sport Club Internacional. Naquele instante descobri que Papai Noel existia sim, e não era só um, era vários. Papai Noel era o meu pai, minha mãe, meus irmãos mais velhos, minha vó e minha cunhada, pois aqueles presentes eram fruto do sacrifício de cada um deles. Fui dormir feliz porque o natal de 1975 foi o melhor natal de todos os tempos, principalmente porque estávamos todos juntos. No dia seguinte munidos da bola número 5 e das camisetas do Colorado, eu e meu sobrinhos desafiávamos os meninos gremistas do Morro a um embate no campinho próximo a casa. A camiseta do Figueroa, a monumental número 3 tinha um sentido de natal que na verdade é o sentido de amor, esperança, fé e sacrifício de uma família. Papai Noel existe: é vermelha usa camisa 3 e foi o melhor zagueiro do mundo. * Jair Wingert; jornalista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário