Sem querer ser nostálgico em
muita oportunidade me sinto um privilegiado e chego aos 5.0 repleto de
experiências boas e ruins. Na verdade somos um somatório das
experiências que vivenciamos. Tenho pós-graduação na Universidade dos
Duros Golpes, mas o que é a vida senão uma eterna caminhada?
Cair, levantar e seguir em frente. Criei-me num bairro fantástico, onde
todos se conheciam. Onde os vizinhos repartiam o pão, se alguém estava
doente não ficava sozinho; desamparado. Criei-me num Rio Branco que há
muito não existe. Craque era sinônimo de jogador de futebol. E droga era
quando tu errava uma conta dada pela dona Sally e sentenciava: “Que
droga como errei este cálculo?”. Nossas diversões eram os campinhos onde
havia embates de rasgar canelas, mas nada que uma salmoura ou o
mertiolate não curasse. (Aiiii assooopraaaa...) Não raro os clássicos
entre Guarani e Padaria terminavam em pauleiras históricas lembrando
Boca e River. Nosso mundo era o Rio Branco e depois da ponte da Andradas
havia um mundo desconhecido que só fomos desbravar quando descíamos aos
domingos para assistir aos filmes do Teixeirinha no Cine Rio. Onde a
gente comprava mentex ou confete no barzinho do seu Armando Dick. Quando
passou o Coração de Luto as lágrimas foram tantas que inundaram a Feira
Marisa do Tauffic que ficava no andar térreo ao cinema causando sérios
danos ao estoque de calças boca de sino e as topecas . Adorávamos
assistir ao Canal 100 que mostrava os gols do campeonato brasileiro,
isso lá entre 1975 e 79. Fora os campinhos era a televisão e as partidas
de bolão no Clube Rio Branco onde ganhávamos uns pilas e refrigerante
para armar os pinos, além dos jogos no Oriente nosso time do coração. No
bairro vivíamos em comunidade mesmo, onde todos eram filhos de todos, ou
seja, todos ajudavam a cuidar, afinal éramos as crianças do Rio Branco.
Tive o privilégio de crescer com um grupo de amigos onde a maioria era
colorada, exceto, o meu dileto compadre Gilmar Strack; capitão e um dos
fundadores do Guarani e o Paulo Vargas outro amigão mais chegado que um
irmão, aliás, o Paulinho foi um dos melhores jogadores que tive a
oportunidade de jogar. Entendíamos-nos muito, pois ele era inteligente,
chutava com os dois pés e só no olhar a gente sabia o que outro iria
realizar. Formamos uma bela dupla. Pois este dois eram gremistas, mas
sempre nos respeitamos, até hoje é assim, fora a corneta, o resto é
amizade plena. Assistíamos muitos e muitos jogos no Beira Rio, inclusive
grenais com metade vermelha e metade azul. O ritual era sempre o mesmo
alugávamos uma kombi ou então pegávamos o citralão e da Rodoviária
seguíamos em romaria rumo ao Beira Rio. Quem organizava tudo era o Remi
Cemin “Fritz”; colorado fanático e apaixonado pelo futebol. Lembro que
às vezes o Inter perdia um, dois jogos e ai o Fritz dizia: “Nunca mais
venho no Beira Rio. Nunca mais estes pernas de pau vão ver a cor do meu
dinheiro”. Nós ficávamos apavorados porque o organizador de tudo era ele
e como ficaríamos sem ir ao Beira Rio e ver o colorado? Porém chegava o
domingo e a gente estava no Bar do seu Arnildo ali na Andradas quase ao
lado do estádio do Oriente, onde jogávamos sinuca e lá vinha o Fritz
que chamava todo mundo de amarelo. Ele olhava para a gente e perguntava:
“E ai amarelo vamos no Beira Rio hoje?” Imediatamente alfinetava “Olha
Fritz domingo passado tu disse que nunca mais iria assistir os jogos do
Inter” Ele abria um sorriso enorme e dizia: “Tu tá ficando louco amarelo
eu não falei nada disso. Como é que vamos deixar o colorado
empenhado? Se nós largar o que será do timão? Já aluguei a kombi do seu
Otacílio e vamos sair as 13 horas” dizia com sorriso de orelha a orelha.
E lá seguíamos nós em direção ao Gigante para assistir as partidas da
orquestra comandada pelo maestro Falcão, Carpegiani, Figueroa, Dário,
Flávio, Lula e tantos outros.... Um dia memorável, assistíamos Inter e
Cruzeiro e a partida estava difícil, inclusive Roberto Batata já tinha
chutado uma bola no travessão. O primeiro tempo terminou zero a zero.
Fomos ao banheiro e ao retornarmos estava lá o Fritz roendo as unhas,
até aí tudo bem, todo mundo ou a maioria roe unhas durante jogos, não,
mas nosso herói roía as unhas do pé. Pena que naquela época não havia
celular com máquina fotográfica para eternizar este momento lúdico ou
“podológico”. Neste mesmo jogo aos 27 minutos da etapa complementar,
Valdomiro lançado pela direita correu, venceu o lateral e ao cruzar, o
Fritz cruzou junto, o Valdomiro acertou no segundo pau, bem na cabeça do
Escurinho, já o Fritz acertou um chute potente bem na “paleta” de um
sujeito que mais parecia o Montanha; lutador do Ringue 12 Marinha
Magazine (lembra? Estou velho né?) por sorte a bola achou a cabeça
certeira do maior cabeceador de todos os tempos: Escurinho que pulou de
pernas abertas e cabeceou no canto esquerdo de Raul. Na comemoração nos
abraçávamos e gritávamos e o sujeito que levou o chute nas costas
vibrava abraçado no Fritz, ambos chorando de alegria. Após o cachorro
quente e o guaraná charrua ou minuano limão, que, aliás, muitas vezes um
cachorro quente e um refrigerante era dividido entre cinco ou seis.
Sempre desconfiei que praticávamos lições de solidariedade, mas
sobretudo, ali tive minha iniciação ao socialismo democrático. No Beira
Rio aprendi que a gente cuida dos filhos dos outros enquanto vão ao
banheiro. Que a gente abraça e chora com pessoas que você nunca viu
antes. Retornávamos a Campo Bom domingo a noite pela não engarrafada BR
116 de alma lavada, sem esquecer das revistas do Inter produzidas pelo
Elmar Bones e o Polidoro, nas quais o L.F Veríssimo, o Érico e o
Jockymann escreviam textos geniais e ainda chegávamos a tempo de
assistir ao Jogo Aberto com Larry Pinto de Faria, Atayde Viana, Geraldo
José de Almeida e tantas outras feras da TV Difusora canal 10 (Hoje
Band). Passávamos a semana inteira esperando o domingo chegar.
Decididamente éramos felizes e não sabíamos, ou, melhor a gente sabia
sim!
*Jair Wingert; jornalista.
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