Do outro lado do Rio da Prata, o
uruguaio José “Pepe” Mujica, o chefe de Estado mais pobre do
continente, vive em condições de austeridade e conserva o mesmo
patrimônio que possuía quando chegou ao poder, em 2010: uma humilde
chácara a 20 quilômetros de Montevidéu e um fusca modelo 1987, avaliado
em US$ 1.925. Mujica doa 90% dos US$ 12.500 que recebe mensalmente a
programas sociais. Quando o Uruguai recuperou sua democracia, em 1985,
Mujica, um ex-guerrilheiro tupamaro, saiu da prisão e disse que todos em
seu país deviam aprender a “viver como pobres”. E foi o que ele fez.
Junto com sua companheira, a senadora e também ex-tupamara
LuciaTopolansky — que, ao contrário do presidente, pertencia a uma
família de classe alta — mudou-se para a chácara e construiu uma vida
simples. Na semana passada, Mujica, de 77 anos, foi notícia no Uruguai
por ter saído sozinho para comprar uma tampa de privada. Na volta para
casa, o presidente foi visto pelos jogadores do Huracán del Paso de la
Arena, um time local, que o chamaram para comer um churrasco e
conversar. E lá foi Mujica, com a tampa de privada debaixo do braço.
— A simplicidade do presidente
não é pose — contou o jornalista do “El País” Eduardo Delgado. —
Participei de várias viagens presidenciais, e todos fomos com Mujica em
aviões de companhias comerciais e em classe econômica.
Em entrevista ao semanário
“Búsqueda”, realizada durante a campanha eleitoral de 2009, o presidente
explicou sua teoria. Para ele, viver como pobre é a única maneira de
libertar-se das pressões da sociedade de consumo.
“Temos de escapar da escravidão
que impõe a dependência material, que é uma das coisas que mais roubam
tempo na sociedade contemporânea”, filosofou então Mujica. “Se você se
deixa arrastar pelas pressões da sociedade de consumo, não existe
dinheiro que alcance, não tem fim, é infinito”.
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Além de doar seu salário, Mujica
destina parte do dinheiro restante a pagar tratamentos de saúde para
uma de suas irmãs, que sofre de esquizofrenia, segundo confirmaram
pessoas que há muitos anos convivem com o presidente. Em sua chácara, a
única mudança desde que se tornou presidente foi a construção de uma
casinha para os seguranças. Com certa aversão ao protocolo, Mujica teve
de aceitar, também, roupas novas. Mas sempre preservando seu estilo
informal, que não inclui, até hoje, o uso de gravata.
— Já jantei na casa do
presidente, e até a comida é muito simples: é uma típica família de
classe média baixa — contou um jornalista uruguaio, que pediu para não
ser identificado.
O jeito Mujica de ser é bem
visto por muitos uruguaios, mas questionado pelas classes mais altas,
que têm certa dificuldade em aceitar um presidente que fala e vive como
um homem do campo. Ainda com dois anos e meio de governo pela frente,
Mujica tem 52% de aprovação popular, segundo pesquisa do instituto Data
Medida. Já seu vice, Danilo Astori, um economista moderado e com um
estilo bem mais sofisticado, obteve 60% de avaliação positiva.
Ele não tem dívidas nem conta em banco
Sem contas bancárias ou dívidas, de acordo com El Mundo, ele apenas repete que espera concluir seu mandato para um descanso sossegado no Rincón del Cerro.
A vida simples não é mera
figuração ou tentativa de construir uma imagem, seguindo orientações de
um marqueteiro. Não, ela faz parte da própria formação de Mujica, um
homem que lutou contra a ditadura, foi preso e, ao lado de dezenas de
Tupamaros, participou de uma fuga cinematográfica da antiga prisão onde
hoje está o Centro Comercial Punta Carretas, em Pocitos, lutou pela
volta da democracia e hoje é presidente eleito do país.
Foto: Pepe Mujica: um exemplo de simplicidade e compromisso com o povo.