O
futebol é o esporte mais democrático do planeta, pois tendo uma
bola está feito o jogo! Deixando de lado as cartolagens, a corrupção
que impera no meio profissional, o futebol moleque dos campinhos da
vida, transcendem as esferas do cotidiano e transformam-se em
inusitado e quando isso acontece vira poesia. Aliás, a bola e sua
magia é capaz de igualar diferenças, interromper guerras e unir
povos. O que seria dos domingos a tarde sem futebol. Campo Bom por
sinal está caindo de maduro termos um clube amador, disputando o
gauchão da categoria. Existe um hiato a ser preenchido; um vazio que
dói com a arquibancada vazia, a goleira sem as redes. Não existe
nada mais anti-romântico, como dizia a filosofa Laurinha do
Carrossel, que domingo sem futebol. Me criei do outro lado do arroio
Schmidt e portanto me tornei torcedor do Oriente. A equipe do Morro
das Pulgas agregava torcedores do bairro e de outros pontos da
cidade. Naquele período para infelicidade dos orientistas, o nosso
adversário o 15 de Novembro tinha uma das melhores equipes do
Brasil. Se aquela equipe do 15 “Os professores de futebol”com
Bilú, Raul, Elucio, Celso Bock, Ismar (o maestro), Naldo, Pulica,
Renatinho, Kiko, Ivan, Pombinha, Elton, Dé, Helinho, Popa, Polenta,
Claunir, Trott e outros (isso nos anos 60, 70 e parte dos anos 80)
se estes senhores que hoje passam dos 50 anos atuassem como
profissionais com certeza o 15 ganhava muitos gauchões. Outros
tempos... Quando garoto tive o privilégio de vestir a camisa do
Oriente e do 15 e muitas histórias a gente vivenciou dos clássicos
envolvendo as duas agremiações. Em 1991 já havíamos pendurado a
chuteira e passamos junto com o Gilberto Wingert, Zenio Oliveira (já
falecido), Remi Cemin “Fritz” (já falecido), Jair Lauser
“Jairzinho”, Luis Paulo “Cholim” a comandar os juniores do
Oriente. Fazíamos das tripas coração para arcar com as despesas da
disputa estadual. Foram bingos, meio-frangos, rifas, "paitrocinio" e
outras mágicas. Ali aprendi que sem verba não há verbo. É preciso
dinheiro para sonhar com títulos. No mês de junho havíamos
empatados com o 15 de Novembro lá no então Estádio dos Eucaliptos,
hoje Sady Arnildo Schmidt, numa justa homenagem a este empresário
sério, ético e apaixonado por futebol a exemplo de seu filho, Tovar
Eliezer Schmidt. Nós estávamos vencendo o clássico por 1 a 0 gol
de cabeça do Osmar (da Luz) na goleira da Lebes. Na segunda etapa
já finalzinho, o árbitro arrumou uma penalidade máxima contra a
gente. Empatamos, mas aquele empate não desceu. Nos preparamos para
no final do segundo turno, isso em setembro para dar o troco neles. O técnico do 15 era o
falecido João Claudio Gaspar “Careca”, uma figura impar. O
Careca era um lapidador de talentos; um baita treinador que revelou
muitos jogadores, porém nós que conhecíamos o técnico do 15 que
também trabalhara no Oriente (inclusive foi meu técnico em 81 a
84), tinha muitas superstições e uma delas era referente a macumba. Tinha um medo que se pelava.
Na terça-feira que antecedia o clássico arquitetamos um plano.
Criar um clima de tensão e espalhar no bairro que o Gilberto tinha
estado no determinado local e feito um trabalho para amarrar a equipe
do 15, principalmente o Banzé o craque dos tricolores. Contamos a um
dono de armazém e pedimos segredo, mas ja sabendo que ele trataria
de fazer a noticia chegar até ao Careca. Domingo pela manhã eu e o
Fritz nos encarregamos de fazer o restante do plano. Dentro do
vestiário do 15 espalhamos uma lata de pó pelotense, uma vela
acesa daquelas de 30 dias, milho e um boneco com as cores do 15
crivado de alfinetes. Quando nosso co-irmão chegou no Gigante de
Campo Bom e se dirigiu ao vestiário, nós de longe só assistíamos
o furdunço. O Careca espraguejava, gaguejava, brigava e ameaçava levar a
equipe embora. Uma grupo liderado pelo Fritz tratou de tirar o
“despacho” e os guris do 15 foram fardar-se. Criamos na semana um clima na
imprensa, afirmando que todos os torcedores do 15 eram bem vindos,
mas que não nos responsabilizavamos pela segurança dos mesmos. O
Gilberto que costumava seguir um conselho que aprendeu com o saudoso
Erni Konrtah quando seu diretor no 15, sim porque o Gilberto
sagrou-se campão gaúcho tanto no 15 como no Oriente, aliás, não
existe nenhum técnico com mais títulos que o velho Gilberto. O
conselho era o seguinte: clássico a gente ganha 50% fora do campo
durante a semana, trabalhando o psicológico do grupo e outras
cositas más. Uma medida tomada pelo Gilberto foi solicitar que dois
seguranças impedissem que um diretor conhecido do 15 se deslocasse
até o vestiário para cumprimentar o árbitro. (Aqui não) O cartola
ficou bravo, resmungou, mas saiu de fininho. A torcida desceu o Morro
e empurrou o time. Onde quero chegar? O psicológico é determinante
em muitas situações, tanto que o 15 parecia amarrado e seu
principal jogador, o Banzé estava apático. Vencemos o clássico
com um gol do Serginho, pegou um chute de voleio na goleira do
barranco e correu para o abraço. Aquela noite o Rio Branco não
dormiu, afinal vencemos o clássico. Quando do gol do Serginho este
escriba invadiu o campo e para desespero dos tricolores, fiquei 10
minutos dentro do gramado enlouquecido até que a Brigada Militar
gentilmente me convidou a sair. Esfriei o clássico. Naquele domingo
frio de setembro de 1991 aprendi uma grande lição com meu irmão
Gilberto: futebol tem que estar nas mãos de quem ama o esporte e
que não se utiliza dele para ganhar dinheiro. O futebol deve estar
nas mãos de quem vibra e conhece os meandros da bola, afinal como
dizia Nelson Rodrigues, até para chupar picolé tem que ter paixão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário