Nasci em Morungava aquela megalópole
localizada num vale paradisíaco, aliás, hoje Morungava cedeu muito espaço para
emancipações, para ter uma idéia a área de terras de Morungava dava mais
ou menos ali na Praia do Ingleses, isso depois do Mampituba e para baixo até o
Mostardas, depois fomos perdendo terras e hoje somos vizinhos de Gravataí,
Glorinha , Taquara e Santo Antonio, municípios estes que integram a grande
Morungava, mas Bueno, nasci e ainda pequeno (dois anos), vim para Campo Bom em
busca de dias melhores com o advento das exportações de calçados. Me criei no
Rio Branco construindo carrinho de lomba, andando de perna de pau, lembro
uma vez que o Chico Louco e o Carlinhos do Baiano Pneus construíram uma perna
de pau tão alta que para andar tinha que subir em cima do telhado da casa do
Chico que ficava ao lado da antiga Sociedade Rio Branco na esquina da Andradas
com Tapajós, no final, Chico que fazia jus ao apelido teve que ser levado as
pressas no TL do seu Moraes dono do armazém na Padre Ambrósio, para que o Dr.
Lauro Reus o atendesse, pois caiu e fraturou o braço. O TL desceu a Andradas em
alta velocidade (40 por hora) rumo ao outrora eficiente e glorioso Hospital
Beneficente de Campo Bom. A vida me deu várias bênçãos e principalmente o
privilégio de ter vivido os melhores momentos de minha vida no eterno Morro.
Cresci jogado taco na Tapajós de chão batido ou então pinica lá na São
Cristóvão com o Dilo, Cau, o Sid e a Dinara que jogava melhor que nós todos
juntos. Quem não recorda da famigerada “mãos a ibá”, quando se sentia perdido e
o vidro de nescafé denunciava que as tuas bolitas, pinica, bola de gude estavam
terminando. A solução era a mãos a ibá e sair fincado e pedradas e
taquaradas nas costas pegando, tudo para salvar teu patrimônio. Nada que uma
massagem de cachaça com "mestrus" ou arnica, aquele vidro mágico da
vó Guina não solucionasse. Tomávamos banho no então límpido arroio Quatro
Colônias que corria atrás da antiga fábrica do Viadei. Nas taquareiras de
onde funcionava o antigo campo do Oriente na Tapajós e onde hoje é
fábrica do Viadei, nas noites de sextas-feiras juntamente com o Jorge, Mauro,
Leonel, Chita, Strack, Geraldo Becker, Laone e Everaldo nos escondíamos
como vietnamitas conhecedores do terreno e bombardeávamos com ovos podres os
casais de namorados que se dirigiam as reuniões dançantes na Capela. Quem nunca
comprou figurinha no armazém do Almir pai do Titi? Ou quem nunca comprou
sodinha Cassel no armazém do Wagner? No futebol havia dois times grandes
no Rio Branco, o Guarani no qual defendi e me orgulho de nunca ter trocado de
time e a Padaria. Os clássicos lembravam em escala menor Boca X River na
Argentina e não raro o prélio como diz o lendário Bilú terminava em batalha
campal, mas na segunda-feira no Emilio Vetter ninguém lembrava as desavenças e
juntos, atletas do Guarani e Padaria repartiam as merendas. Naqueles tempos
vivíamos de forma socialista sem perceber. Quem nunca vendeu garrafa,
osso e ferro velho ao Rubão e seu eterno carrinho de mão? À noite quando minha
mãe fazia merengues, nós surrupiávamos do forno a lenha uma forma, eu, o
Paulo Vargas, o Strack e meus sobrinhos e comíamos aquele manjar dos deuses,
escondidos, sem contar nas melancias que pegávamos emprestadas na roça do seu
Helmuth Deuner, o qual temíamos pois a lenda dizia que ele tinha uma espingarda
carregada de sal e que o tiro de sal era um veneno. E as festas no Oriente?
Animadas pela Continental. Lembra a música que abria os serviços de
alto-falantes e encerrava nos domingos à tardinha? Lembrou? Era Vento
Negro com letra do José Fogaça e interpretação dos Almondegas. E quando
chegava o circo no bairro? A Padaria ficava sem campo, pois o circo se
instalava onde era o estádio do nosso rival. O campo da Padaria era na
esquina das ruas João Deunner e Tapajós e o nosso estádio era no sitio da
família Strack no meio dos eucaliptos próximo ao Rancho da Amizade. Na verdade
nosso campo ficava onde hoje está localizado o Loteamento Fauth.
Quando fomos ficando maiores começamos em bandos a nos aventurar pelo
centro da cidade. Comprávamos revista placar num quiosque de frente para a
Voluntários da Pátria e localizado na Praça João Blos. Aos domingos todos
no Cine Rio, lembro que gostava mais do Canal 100 com os gols quase sempre dos
clássicos Fla-flu se bem que naquela época quem mandava no Brasil era o
colorado com Figueroa, Manga, Falcão, Carpegiani, Flávio, Dário, Lula,
Caçapava, Valdomiro, uma máquina! Nos matines filmes do Mazaropi, Bruce
Lee e os filmes do Teixeirinha. Recordo que quando passou Coração de luto
a fila estava ali na frente da casa do Chaleira, ou seja, literalmente dobrou a
esquina. Foram realizadas três sessões e não esqueço, o filme era tão triste
que as lágrimas foram tantas que inundaram a loja Feira Marisa que
funcionava no andar abaixo do Cine Rio. Outra feita o Daniel irmão
do Batista e o João Barata e este que vos escreve entramos numa matine para assistir
Django não perdoa, mata! Aquele filme deu tanto tiro que até o pano da
tela furou. E quando o tiroteio pegou forte e todos estavam de olho na
tela, o Daniel abriu uma lata de Nascau cheia de pinica e largou lá da
última fileira, deu um barulho e um griteiro terrível. Após o pânico cessar e os que se mijaram nas calças já terem se deslocado ao banheiro,
de forma despótica e ditatorial, Dourado o temido lanterninha que hoje
vive no Porto Blos, colocou toda a turma do Rio Branca para fora. Que injustiça!
Outra feita fomos a Hamburgo Velho, no cine Aida na subida da Daltro
Filho quem vai para Hospital Regina, seguimos de bicicleta. Na frente do cinema
que passaria o filme: O destino do Poseidon amarramos as magrelas numa
correntona que o Gilmar Strack conseguiu com seu pai. Após o filme juntamos os
trocos entre nove e deu para comprar no Bar Maracanã ali na frente do
Aida duas Guaranás Brahma e uma caixinha de Mentex. Tudo era repartido de
forma democrática. Nas sextas-feiras à noite armávamos bolão na cancha da Sociedade
Rio Branco, dali saia o jantar, alguns refrigerantes e uma boa gorjeta dos
jogadores que era repassada para a mãe comprar o leite, o pão e o salame do dia
seguinte. Havia no mínimo cinco campinhos no Rio Branco, que estavam
sempre cheios de gurizada jogando bola. Hoje quantos campos possui o
bairro? Concluo: a gente era feliz e não sabia. Craque naquele
tempo era um garoto que jogava bola e não usava cachimbo! O bairro mudou, a
gente mudou, mas da minha retina as vezes fico a procurar pelo
menino que fui nas ruas do meu, do seu e do nosso Rio Branco. O pó
acumulado nos meus sapatos, neste meu longo caminhar de quase cinco décadas não
tiraram do meu ser a capacidade de emocionar-me e dizer: Rio Branco da
minha infância – Confesso que vivi!
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