Corria o
ano de 1975 e nós colonos perdidos no asfalto, vivíamos em Campo
Bom o período de ouro das exportações de calçados. Viemos da roça
em busca de dias melhores movidos pelo sentimento dos retirantes: a
esperança. Em Campo Bom após alguns anos a família Wingert
conseguiu adquirir a tão sonhada casa própria no bairro Rio Branco.
Neste bucólico bairro eu e meus sobrinhos vivenciamos os melhores
anos de nossas vidas. Vivíamos com extremas dificuldades, mas na
beira do fogão a lenha a família estava unida, ouvindo ao anoitecer
as histórias contadas pela avó e pelos pais. Nossa família sempre
teve uma tradição colorada, aliás, os Wingert são colorados e os
que não são tem que verificar porque talvez não sejam Wingert ou precisam fazer terapia. Na
década de 70 o Inter tinha um dos melhores times do mundo com
Falcão, Figueroa, Manga, Flávio, Lula, Valdomiro e outros
expoentes. Lembro que os natais em nossa casa sempre eram marcados
pelo amor e união da família. Não fazíamos ceia com peru, mas o
almoço de natal com bife, salada de maionese e uma “Coca família”,
numa garrafa de litro era um verdadeiro manjar comprada no armazém
do seu Moraes. Presentes eram raros em função das dificuldades, mas
o natal de 1975 foi inesquecível, pois minha vó perguntou o que
gostaríamos de ganhar e ouviu de mim e de meus dois sobrinhos (Laone
e Everaldo) que queríamos muito uma bola número 5 e eu afirmei que
gostaria muito de ganhar do Papai Noel a camisa número 3, a do
Figueroa, o Laone pediu a número 8 do Caçapava e o Everaldo a
número 5 do Falcão. Lembro que minha avó disse que era preciso
sonhar e que talvez Papai Noel trouxesse tais presentes. Na véspera
de natal na casa dos Wingert o ritual era o mesmo, minha mãe
retirava do forno de barro os doces de natal e na mesa da cozinha
sentávamos para ajudar a pintá-los. Um prato repleto de merengue e
um copo cheio de confeitos tipo chumbinhos coloridos. Minha mãe
passava o merengue branquinho com uma colher nos doces e nós
polvilhávamos os doces com confeitos coloridos. Para nós eram
verdadeiras obras de arte tipo os quadros de Picasso ou Portinari
salvo é obvio as devidas proporções. A seguir os doces permaneciam
na mesa até o amanhecer para secar. Mas naquele natal observei que
minha vó não estava participando do ritual de pintar os doces e
foi aí que ouvi um barulho vindo de seu quarto, tipo uma máquina de
costura trabalhando. Disfarcei e me esgueirando pelo corredor da casa
de madeira na Tapajós, aproximei-me do quarto da Vó Guina e olhando
por uma fresta da porta, a vislumbrei junto à máquina de costura
manual e sob luz de lamparina a costurar uma camisa. Uma camiseta!!!
Meu coração acelerou, pois o número era o 3 e a camisa era
vermelha. Fiquei ali aguardando astutamente a velha matriarca virar a
camiseta e costurar o distintivo do Sport Club Internacional. Naquele
instante descobri que Papai Noel existia sim, e não era só um, era
vários. Papai Noel era o meu pai, minha mãe, meus irmãos mais
velhos, minha vó e minha cunhada, pois aqueles presentes eram fruto
do sacrifício de cada um deles. Fui dormir feliz porque o natal de
1975 foi o melhor natal de todos os tempos, principalmente porque
estávamos todos juntos. No dia seguinte munidos da bola número 5 e
das camisetas do Colorado, eu e meu sobrinhos desafiávamos os
meninos gremistas do Morro a um embate no campinho próximo a casa. A
camiseta do Figueroa, a monumental número 3 tinha um sentido de
natal que na verdade é o sentido de amor, esperança, fé e
sacrifício de uma família. Papai Noel existe: é vermelha usa
camisa 3 e foi o melhor zagueiro do mundo. * Jair Wingert; jornalista.
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