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Arnóbio deixou a funerária no preju... |
A morte é sempre um desvio de rota, tudo porque o ser humano não foi criado para morrer. Houve um grave problema de percurso. Uns acreditam que a morte é descanso, particularmente tenho minhas dúvidas e creio que se é descanso, prefiro viver cansado. O ruim não é morrer, duro é deixar de viver. Inclusive já pedi que no meu túmulo quando um dia destes eu for poeira ou folha levada no vento da madrugada quero que conste a seguinte inscrição: Aqui jaz muito a contra gosto, o jornalista Jair Wingert. Pelos cálculos devo morrer depois dos 125 anos, porque os Wingert são longevos. O velho meu pai, Alfredo Wingert morreu em tenra idade, com 94 anos. Mas a vida é marcada por despedidas. Não obstante fui comunicado de forma abrupta do falecimento do Arnóbio; figura emblemática do Morro. Adorava tocar uma viola, parceiro de pescaria do Barata e do Paulo Pança. Torcedor apaixonado do Oriente. O Arnóbio havia trabalhado nas fábricas de calçados no tempo em que bom era Campo Bom, mas também nas crises cíclicas do sapato “basqueteou” nas Olarias para ganhar o pão de cada dia. Mas os anos se passaram e Arnóbio as duras penas sobrevivia cortando grama, tirando ficha no Posto de Saúde ao preço de R$ 10,00 ou lavando algum carros, cortando lenha, carregando aterro, bem como, vendendo chás ou temperos que buscava em Porto Alegre no Mercado Público. Homem simples de conselhos bons. O Arnóbio era do tipo que fala com sapiência aos jovens. Nos bares ao redor das mesas de sinuca ou carteado aconselhava aos pais de família a não beber e voltar para casa e cuidar do mais precioso: a esposa e os filhos. Era o Confúcio dos botecos. Arnóbio nunca casou e ainda brincava “- Passar fome é melhor sozinho”. Mesmo sendo solitário parecia alegre e jamais reclamava da vida. Não raro retirava areia do arroio Quatro Colônias e amontoava a mesma nas margens onde aguardava até que uma carroça transportasse o produto. Noite fria de inverno no necrotério da Metzler estavam todos lá para o velório do Arnóbio. Uma coroa de flores no canto trazia a homenagem dos amigos do Morro. “Saudades do Arnóbio”. Um grupo já foi pesquisando quais seriam os heróis da resistência que passariam a noite no velório do Arnóbio. Após o levantamento iniciaram o processo de vaquinha para a compra de café e lanches, chegou-se a conclusão que para o alimento haviam arrecadado 17 reais. Na parte externa contam que os pinguços haviam arrecadado cerca de 500,00 reais para o produto etílico. O vento frio, típico das noites invernais assobiava lá fora. Na rua muitos fumantes contribuíam alimentando uma futura doença. Alguns choravam, outros contavam os feitos do falecido. Havia quem relatava que Arnóbio tivera uma desilusão amorosa e por isso viera para Campo Bom nos anos 60. Os mais antigos contavam suas bravatas nos renhidos clássicos entre Oriente e Rio-grandense. Recordavam que num clássico ali onde era o Vendão, na Presidente Vargas, bem na frente do Sesi, na baixada (Porto Blos), após um gol do Oriente a partida terminara em pancadaria e conta a lenda que Arnóbio com uma peixeira e uma pistola sem balas segurou a turba da baixada para não invadir o vestiário. Num canto da Capela Mortuária uma mulher elegante e perfumada, que aparentava seus 60 anos chorava de forma desolada. Ninguém a conhecia, mas o veículo que a trouxera tinha placas de Canoas e a dona tinha até motorista. Não faltou algum incauto para afirmar que se tratava do amor do passado do Arnóbio e que o trocara por um rico empresário. Porém as fofoqueiras de plantão sentenciaram que se tratava da irmã de Arnóbio que arrependida vinha para a última despedida ao irmão que descansaria em solo campo-bonense. Na sua carteira de identidade dizia que nascera em São Borja, o que levantava a suspeita que poderia ser filhos de fazendeiros ou que era simpatizante de Vargas, Jango e Brizola e que no golpe militar fugira para a região. Ao certo ninguém sabia muito sobre o velho taura que batera cachuleta e iria morar na cidade dos pés juntos. Estava todo mundo no velório do Arnóbio, inclusive a mulher dos perfumes que ele comprava para pagar no final do mês. Os amigos todos estavam lá, inclusive eu, porém para surpresa de todos, somente o Arnóbio, o morto não apareceu. Que papelão. Isso não se faz Arnóbio. Literalmente ele se fez de morto para... (o coveiro). Que coisa, um velório sem o defunto. Arnóbio não morreu! (E você que não gostou se... Não vale rima viu, porque é: você que não gostou se ferrou). Vida longa ao Arnóbio; a antítese do herói do Morro, um dos poucos que enganou a morte!
Jair Wingert; jornalista do Morro.
*Esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com a vida real não terá sido mera coincidência.
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