Corria o ano de 1975 e
nós colonos perdidos no asfalto, vivíamos em Campo Bom o período
de ouro das exportações de calçados. Viemos da roça em busca de
dias melhores movidos pelo sentimento dos retirantes: a esperança.
Em Campo Bom após alguns anos a família Wingert conseguiu adquirir
a tão sonhada casa própria na Rua Tapajós, no bairro Rio Branco
graças ao esforço abnegado do meu irmão Gilberto que trabalhou 45
anos na mesma empresa, a saudosa Fillis Neste bucólico bairro eu e
meus sobrinhos vivenciamos os melhores anos de nossas vidas. Vivíamos
com extremas dificuldades, mas na beira do fogão a lenha a família
estava unida, ouvindo ao anoitecer as histórias contadas pela avó e
pelos pais. O rádio nosso companheiro inseparável, onde ouviamos -
Sala de Redação, Não diga não ao Sayão na extinta Rádio Itaí e
depois na Caiçara (onde a música não para). Aos domingos ouvíamos
os grenais narrados pelo Ranzolin na Guaíba ou pelo Haroldo na
Gaúcha (hoje o magrão empolga na Rádio Grenal 95,70 FM ou 1.020
AM, aliás, uma emissora que veio para ficar e com estilo
diferenciado). Nossa família sempre teve uma tradição colorada,
aliás, os Wingert são colorados e os que não são tem que
verificar porque talvez não sejam Wingert. Na década de 70 o Inter
tinha um dos melhores times do mundo com Falcão, Figueroa, Manga,
Flávio, Lula, Valdomiro e outros expoentes. Lembro que os natais em
nossa casa sempre eram marcados pelo amor e união da família. Não
fazíamos ceia com peru, mas o almoço de natal com bife, salada de
maionese e uma “Coca família”, numa garrafa de litro comprada no
Bar do seu Moraes era um verdadeiro manjar. Presentes eram raros em
função das dificuldades, mas o natal de 1975 foi inesquecível,
pois minha vó perguntou o que gostaríamos de ganhar e ouviu de mim
e de meus dois sobrinhos (Laone e Everaldo) que queríamos muito uma
bola número 5 e eu afirmei que gostaria muito de ganhar do Papai
Noel a camisa número 3 do Figueroa, o Laone pediu a número 8 do
Caçapava e o Everaldo a número 5 do Falcão. Lembro que minha avó
disse que era preciso sonhar e que talvez Papai Noel trouxesse tais
presentes. Na véspera de natal na casa dos Wingert o ritual era o
mesmo, minha mãe retirava do forno de barro os doces de natal e na
mesa da cozinha sentávamos para ajudar a pintá-los. Um prato
repleto de merengue e um copo cheio de confeitos tipo chumbinhos
coloridos. Minha mãe passava o merengue branquinho com uma colher
nos doces e nós polvilhávamos os doces com confeitos coloridos.
Para nós eram verdadeiras obras de arte tipo os quadros de Picasso
ou Portinari salvo é obvio as devidas proporções. A seguir os
doces permaneciam na mesa até o amanhecer para secar. Mas naquele
natal observei que minha vó não estava participando do ritual de
pintar os doces, foi aí que ouvi um barulho vindo de seu quarto,
uma máquina de costura trabalhando. Disfarcei e me esgueirando pelo
corredor da casa de madeira na Tapajós, aproximei-me do quarto da Vó
Guina e olhando por uma fresta da porta, a vislumbrei junto à
máquina de costura manual e sob luz de lamparina a costurar uma
camisa. Uma camiseta!!! Meu coração acelerou, pois o número era o
3 e a camisa era vermelha. Fiquei ali aguardando astutamente a velha
matriarca virar a camiseta e costurar o distintivo do Sport Club
Internacional. Naquele instante descobri que Papai Noel existia sim,
e não era só um, eram vários. Papai Noel era o meu pai, minha mãe,
meus irmãos mais velhos, minha vó e minha cunhada, pois aqueles
presentes eram fruto do sacrifício de cada um deles. Fui dormir
feliz porque o natal de 1975 foi o melhor natal de todos os tempos,
principalmente porque estávamos todos juntos. No dia seguinte
munidos da bola número 5 e das camisetas do Colorado, eu e meu
sobrinhos desafiávamos os meninos gremistas do Morro a um embate no
campinho próximo a casa. A camiseta do Figueroa, a monumental número
3 tinha um sentido de natal que na verdade é o sentido de amor,
esperança, fé e sacrifício de uma família. Dezembro de 1975, um
dos melhores natais de todos os tempos!
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