Dudu cresceu num bairro pobre do Vale do Sinos, filho de pais sapateiros
que vieram na época do Eldorado do Sapato nos anos 80, quando a Carteira Profissional era confeccionada pela manhã e a tarde a
pessoa já estava empregada. Depois vieram as crises cíclicas e a
ameaça dos Tigres Asiáticos (China). Dudu assim se chamava em
homenagem ao avô paterno; Eduardo de Arruda Miranda; agricultor das
bandas de Santiago do Boqueirão. O menino Dudu logo cedo demonstrava
habilidades com a bola e já na escola pegou a fama de craque. Todos
no momento da escolha dos times queriam Dudu na equipe. Aos domingos
pela manhã nas peladas no campinho do bairro o pequeno Dudu era
atração, alguns a boca pequena diziam: “Vai jogar no Colorado ou
Grêmio” outros afirmavam que souberam pelo filho, do padeiro que o
irmão do motorista ouvira falar que havia um empresário de Porto
Alegre de olho no guri. Na verdade Dudu gastava a bola. O guri era do
tipo atrevido, daqueles estilo Romário “marrento”. Drible da
vaca, “meia lua”, “lambreta” que para nós
gaúchos é “Chaleira”, e até os famosos “paninhos” eram
peculiaridades do futuro craque do Vale do Sapateiro. Por ser uma
espécie de gênio precoce, Mangel, o técnico da equipe do bairro
Jardim do Sol, o glorioso Corinthians “O Coringão do Morro”,
escalava Dudu mesmo com 13 anos no segundo quadro e com a 10. O
menino roubava a cena, a torcida chegava cedo ao campo para ver os
dribles e arte contagiante de Dudu. Não raro tinha mais torcida nos
jogos do segundo do que do primeiro quadro. Todos queriam ver Eduardo
“Dudu” e sua genialidade. Gols de falta então era outra
especialidade, de três dedos por cima da barreira. Ele batia no
estilo Zico, Tadeu Ricci e de Andrézinho, tomava pouca distância a
exemplo do velho mestre Enio Andrade, batia sempre procurando
ultrapassar por cima do terceiro homem da barreira e a cada dez
faltas cobradas pelo guri, oito se aninhavam onde a coruja dorme.
Apesar de ninguém fotografar, na maioria delas, o goleiro nem na
foto saia! Agora então surge a oportunidade de Dudu, uma porta
se abre em uma escolinha de uma equipe de fora do Rio Grande do Sul,
mas com uma extensão na região do Vale do Sinos. Dudu morava na
área da escolinha num bonito alojamento, recebia um bom salário e
um empresário era detentor dos direitos do passe do garoto por 20
anos; tudo graça a Lei Pelé. O salário de 8 mil reais ajudava e
muito a família do menino. Até uma garagem o pai do craque
construiu e aproveitou para rebocar e pintar a residência
internamente e comprou a vista um TV “led” para assistir os jogos
da Copa. Agora na vila, Dudu apenas assistia aos jogos do
Corinthians, o máximo que fazia na beira do gramado, próximo ao
para-peito de eucalipto, era embaixadinhas para suspiros dos menores
que se espelhavam em Dudu. Quarto com ar condicionado, televisão e
até computador com acesso a internet assim era vida do futuro craque
no alojamento da escolinha. Por último um telefone celular de última
geração. Dudu agora passava a maior parte do tempo na frente do
computador conectado no face, iphone e outras parafernálias
clássicas da era cibernética em que estamos inseridos. Mas a grande
paixão de Dudu era o twitter. Chegava a faltar aos treinos para
ficar “twitando”. Era uma espécie de vicio escravizante ao ponto
de acabar com o futuro craque. Domingo ensolarado, manhã bonita de
primavera e a escolhinha de Dudu decidia o título de juvenis (até
17 anos) com uma grande equipe da capital treinada por um ex-goleiro
campeão do mundo no Japão em 2006. Um grande empresário estava no
estádio para ver Dudu e comenta-se que o objetivo seria levá-lo
para a Europa. O menino estava apático durante toda a partida. No
intervalo no vestiário enquanto o técnico fazia a preleção, Dudu
“twitava” num canto, alheio ao que o “ coach” dizia.
A vida de Dudu mudou drasticamente aos 37 minutos da etapa final, a
partida estava zero a zero , o ponteiro direito entrou em
diagonal, cruzou e na frente do gol, somente Dudu e o goleiro
adversário, a bola outrora a maior paixão do menino gênio se
mostra sozinha, pronta para ser tocada para o fundo das redes. Era só
bater, correr para o abraço, levantar a taça e assinar o contrato
com o clube Europeu, porém Dudu estava absorto, desligado. Um misto
de surpresa e desespero se abateu no estádio, tudo porque Dudu nem
ligou para a bola, pelo contrário, tirou do calção, não um
“cachimbo” como Renteria do Inter certa feita tirou, ou uma
chupeta como Carlito Tevez. Dudu tirou o telefone do bolso e passou a
“twitar”. A bola passou por ele, a vida passou por ele, o sonho
passou pelo precoce menino que era craque no campo, mas escravo da
cibernética, “dependentes químicos” dos equipamentos do homem
pós-moderno e tão solitário. Onde estão os campinhos dos bairros?
Onde estão os meninos correndo atrás de uma bola? Onde estão os
Dudus que fazem embaixadas com a pobreza e driblam a marginalidade
com a esperança no olhar?
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