Tu
conhece o Mário? (Que Mário???), quem nunca ouviu esta pergunta que
muitas vezes vinha com outro questionamento: “O Mário não é
irmão do Guido?”... Mas o Mário desta crônica é outro... Mário
era um tipo metódico e sua vida sempre foi norteada pela
simplicidade e sobretudo pela obviedade. Era do tipo que sempre saia
com uma capa de chuva, com vários comprimidos na leva-tudo. Pegava
sempre o mesmo ônibus e trabalhava na mesma empresa como
auxiliar de escritório. A vida de Mário era certinha sem
sobressaltos. No final de ano ele alugava uma casa em Curaçau (um
lugarzinho ali entre Curumin e Arroio do Sal), resultado da economia
do ano inteiro. O carro popular fora adquirido num consórcio a duras
penas com uma economia hercúlea. Os filhos de Mário, Carolina e
João Pedro cursavam faculdade graças a uma bolsa obtida do ProUni.
A menina fazia farmácia e o garoto comunicação. Helena, a
esposa de Mário, cuidava da casa e para ajudar na renda da família
confeccionava artesanato. Os problemas na vida de Mário começaram
há acontecer seis meses após sua aposentadoria. Na fábrica onde
ele e mais dois companheiros de trabalho faziam as tarefas, uma nova
máquina adquirida pela empresa passou a fazer a tarefa deles e de mais cinco. A máquina não recebe
13º, não ganha férias, não falta, não reclama e ainda mais é
nova. A vida certinha e a rotina diária criaram problemas
estruturais e comportamentais. Nos primeiros meses, Mário levantava
cedo, por volta das 5h e 45 minutos, tomava banho, antes do desjejum,
apanhava o jornal na grama e ainda fazia um afago no Chocolate, fiel
escudeiro dos Araújo. Café com pão, geléia de morango e cobertura
de nata, além óbvio de uma banana e um pedaço de mamão. Após a
aposentadoria o cardiologista de Mário depois de uma avaliação
fez um alerta. “ A pressão é boa 12 por 8, mas o colesterol ruim
está um pouquinho acima do desejado, mas nada que uma caminhada
diária na ciclovia não resolva”. O ritual de levantar cedo
era seguido como se Mário fosse para o trabalho. Não raro ele se
deslocava até a parada onde pegava ônibus, mas depois de cair à
ficha, Mário retornava para casa cabisbaixo e triste. Aos poucos a
melancolia tomou conta da vida do novo aposentado. Tudo contribuía
para a melancolia, gerando em alguns momentos crises de choro,
angustia e ansiedade. A vida já não tinha mais cor e nem mesmo as
estripulias do amigo Chocolate, fiel cão, motivava Mário. Um dia
Helena avisou com o dedo em riste: “Já marquei uma consulta com o
Dr. Freudiolino Sigmundo para tratar você. E tem mais você vai ir à
consulta, porque a gente não suporta mais a situação”,
argumentou a esposa. Para agravar o problema agora Mário parecia
prestes a ser internado em uma clínica, pois não dormia mais em seu
quarto, uma vez que com os olhos arregalados dizia em alto e
bom som: “Tem um homem embaixo da minha cama e ele quer me pegar”
Em alguns momentos o medo e o convencimento era tanto que João
Pedro olhava embaixo da cama para ver se realmente não havia
alguém ali. Consulta marcada, o consultório suntuoso num
belíssimo prédio todo envidraçado fazia justiça ao preço. O
encontro foi conforme o esperado, o psiquiatra de barba rala e
branca, contrastava com os óculos redondos. O olhar aquilineo do
profissional quase intimidou Mário. Após uma análise o
psiquiatra de forma direta e franca, com mão no queixo, voz pausada
demonstrando domínio de causa afirmou que o problema era grave, mas
que um tratamento via análise resolveria a patologia. Seria uma
sessão de uma hora e meia por semana ao preço de 180,00 cada
sessão, num total de 720,00 por mês. O problema é que o
tratamento seria de no mínimo dois anos. Mário imediatamente
calculou…. Um ano de tratamento equivaleria a um gasto de 8.640
reais (um carro usado), multiplicado por dois anos somaria um total
de 17.280 reais. Mário suava frio e ao final da consulta
retornou a sua casa. Após três meses em um supermercado da cidade,
o psiquiatra encontrou o Mário no corredor das verduras e ainda
impressionado com a patologia psicossomática do paciente em
potencial, questionou: “E aí meu caro Mário como está?” “Bem
doutor, melhorei muito”, respondeu Mário prontamente. O psiquiatra
rebate: “Mas e a questão daquele homem que havia embaixo de sua
cama como você solucionou?” O velho Mário sentenciou: “O senhor
é um excelente profissional, mas analisando o que eu gastaria com o
tratamento para me livrar do homem embaixo da cama, preferi contratar
um carpinteiro”. O psiquiatra boquiaberta quase não acreditando no
que ouviu perguntou : “ Um carpinteiro, como assim?” "Mário sorriu
colocando dois pepinos e um pé de alface no carrinho e lascou: “O
carpinteiro cortou os pés da minha cama, resolvendo o problema por
50 reais”. Frase escrita nos muros de um antigo hospital
psiquiátrico: “Aqui
nem todos que estão são e nem todos os que são estão…”
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