A
educação é chave para transformar o meio em que vivemos. O novo
homem só surgirá com investimentos pesados em educação. Também
creio que o esporte é uma forte ferramenta de inclusão. Você já
parou para pensar, quantos campinhos de futebol existem no seu
bairro? No Rio Branco anos 70 e 80 havia no mínimo cinco campinhos
e todos sempre estavam lotados. O menino que hoje corre atrás de uma
bola, amanhã não vai correr da Policia com um três oitão na
cintura. No meu tempo craque era quem jogava bem futebol e só. Tem
coisas que se eu contar ninguém acredita. Um dos grandes clássicos
da região que integra a Grande Morungava, era justamente Morungava
e Glorinha. O torneio chegou aos finalmente e a grande final
envolvia dois adversários ferrenhos. Não raro os encontros do
esporte bretão, ou seja, os prélios entre Morungava e Glorinha
terminava em brigas históricas que varavam a noite (prélio,
esporte bretão e varavam, o que é a cultura???) Facão, tiros,
pedradas, taquaradas eram uma constante. Uma vez numa decisão a
briga foi tão grande com tanto tiro que furou a taipa do açude dos
Schreiber e deu enchente no Morungava. O árbitro desta partida foi o
lendário... Arcedino Vieira Nunes; o tio Dino. Ele apitou a partida
final com dois revólveres na cintura e uma caixa de balas nos
bolsos. Cada falta apitada ou cartão dado, tio Dino dava um tiro
para cima. Encerrada a partida, o velho Dino de tanto tiro que deu
inchou os dedos indicadores que não conseguiu tirar as armas das
mãos. Somente na segunda-feira ao meio quando os dedos desincharam é
que conseguiu tirar os revólveres das mãos. Contando ninguém
acredita. Três anos depois outra final. O primeiro encontro
aconteceu no campo do Glorinha; chamado de Maracanã. O clássico
terminou empatado em 4 a 4 com o Glorinha marcando o gol de empate
aos 54 minutos do segundo tempo, lembrando um jogo entre um time da
capital e o Caxias. O interessante é que o árbitro era indicado
pelo dono da casa, ou seja, em Morungava a arbitragem estaria a cargo
do trio – Arcedino “tio Dino”, e como auxiliares – Heitor e
Ismael. A semana inteira o Morungava se preparou. Os jogadores até
exercícios fizeram, correndo ao redor do campo. A direção liberou
verba para comprar em Porto Alegre na Ughini uma bola nova de couro.
Coisa linda, um gomo branco e outro preto. Domingo pela manhã mês
de julho, cerração baixa, gramado molhado e um frio enorme, mas nós
estávamos lá ajudando a marcar o campo com cal. Os vestiários e a
copa também foram caiados. Rede nova, goleiras novas com eucaliptos
cortados na sexta-feira. Atrás da copa a equipe dos foguetes traçava
um plano para soltar três mil tiros quando o Morungava entrasse em
campo. Na copa tudo preparado, pasteis, ovo cortido, biju, rapadura
e novidade um negócio chamado chiclé Ping Pong que vinha com as
figurinhas do campeonato brasileiro de 1975. As bebidas eram sódinha
da Cassel, Água da Pedra de Rolante e as cervejas Serramalte e
Polar. A cerração levantou e o sol rachou. Para preservar o gramado
os jogos do veterano pela manhã e do segundo quadro foram
cancelados. A equipe de Glorinha veio em duas Kombi e a torcida
chegou soltando foguetes em seis caminhões clima ficou tenso
lembrando o clássico Boca Juniors e River Plate salvo é obvio as
devidas proporções. Dentro do ritual do futebol, as camisas do
Morungava foram benzidas pela dona Lilóca; poderosa nas preces. O
técnico do Morungava era o Duarte; delegado em Porto Alegre que
treinava a equipe e atuava como volante. O grande ídolo do
Morungava era o atacante Sula; goleador da competição com 17 gols e
que já atuara nos juvenis do Internacional e como profissional do
São José de Porto Alegre, treinado pelo então iniciante Ênio
Andrade. Sula chutava com os dois pés, cabeceava bem (sabia fazer
gol) e tinha um drible nojento. Era o ídolo da torcida ao lado do
meia Alceu e do zagueiro Loth. A equipe do Morungava concentrou no
Hotel do Antônio Pohren que todos chamavam de Antônio Porão. O
hotel e restaurante ficava na beira da estrada que liga Taquara a
Porto Alegre, a RS 020 bem na entrada para o centro de Morungava.
Nesta estrada nos anos 60 havia as corridas de carros (baratas), onde
os Morungavense ficavam no barranco esperando passar a barata do
Catarina Andreatta, do Rosito ou do José Asmuz. O local era local
parada obrigatória a quem se deslocava para praia. Não havia a
Free Way e Morungava era a rota certa dos veranistas que no
restaurante do Antônio Porão saboreavam o almoço caseiro, ou o
café com cuca, linguiça do Alebrandt, ovos estrelado com pão
caseiro quentinho feito pela dona Verena. Havia no campo no mínimo
três mil pessoas, os parapeitos foram logo ocupados. No vestiário
do Morungava, Duarte pedia calma e marcação sob pressão. O
massagista Lealdino dava um gole de um produto que ninguém sabia ao
certo o que era, mas esquentava até as orelhas dos atletas. Uns
diziam que a poção mágica do massagista era composta por dez
comprimidos de “Reativan”, um tubo de cebion 2 gramas e muita
água, mas o velho massagista nunca revelou a fórmula mágica. O
Morungava entrou em campo para o aquecimento e ainda hoje lembro o
cheiro do óleo verde, produto usado para esquentar a musculatura e
muito utilizado pelos jogadores inclusive profissionais. O óleo
verde era fabricado pelo Laboratório Catarinense. Aquecimento feito,
o Morungava voltou ao vestiário e logo em seguida entra em campo sob
uma chuva de papel picado e três mil tiros de foguetes. A
“bombonera” era ali meu povo! O jogo apitado pelo tio Dino
iniciou e logo o Glorinha chutou uma bola no travessão. O Morungava
não se encontrava em campo, errava passes. A bola não chegava até
o centroavante Sula que estava como um leão a espera de uma bola,
uma única bola. Sula era do tipo dos atacantes que agem como aqueles
cachorros que ficam ali no portão deitados dormindo e ai tu entra,
pensando “esse guaipeca” só dorme, mas quando tu estás a
dois passos da porta, sente uma mordida e uma dor lancinante no
calcanhar, olhando para trás e eis que o guaipeca está grudado no
teu pé. Assim são os atacantes matadores que se fazem de morto
para comer o coveiro. Assim era Flávio Bicudo, Dário “Dadá
Maravilha”, Romário, Geraldão, Fernandão, Nilmar, Baltazar,
Andrè Catimba e o Sula. O Glorinha abriu o placar numa falha da
zaga, fez 2, 3, 4, 5. O primeiro tempo terminou 6 a 0 para o
Glorinha. Dizem que no vestiário como fez um presidente de um clube
da capital anos depois abriram um garrafão de vinho para comemorar.
A torcida do Morungava não acreditava no que estava vendo. Alguns
torcedores mais incrédulos disfarçaram e entraram num canavial e
foram embora. Os torcedores mais supersticiosos afirmavam que o
Glorinha havia encomendado uma mandinga para ganhar o clássico e
amarraram os jogadores do Morungava. Se isso funcionasse o campeonato
baiano terminava empatado. Segundo tempo inicia e a catástrofe
avança num estilo de épico grego. O Glorinha faz 7, 8, 9 e aos 36
minutos faz 10 a zero. Aos 38 minutos pênalti contra o Morungava, a
cobrança com perfeição decreta 11 a zero, vexame pior só 7 a 1
contra a Alemanha anos depois sob a chancela do prepotente “Felipão
Scolari”. A torcida do Glorinha comemorava e apenas uns 150
torcedores do Morungava aguardavam o término da partida presenciaram
algo inacreditável. Aos 42 minutos, o lateral Orlando (irmão da
Iolanda Margarida) pegou a bola tabelou com o meia Alceu que alçou a
chinóca. Na entrada da área na goleira da estrada, Sula mata no
peito e de voleio acerta uma bomba, a bola bate na junção entre a
trave e o poste, na forquilha, ali onde a coruja dorme, porém não
entra. A goleira fora pregada as traves e para reforçar foi colocado
um arame que se soltou ficando um fio de no máximo dez centímetros.
Pois não é que a bola ficou pendurada neste fio e com a força do
chute ficou balançando, para dentro de para fora do gol e a cada vez
que ultrapassava a linha tio Dino atento apitava gol. Quando chegou
a 12 gols a bola esvaziou em função do furo com o arame. A partida
terminou em confusão, mas o Morungava comemorou mais um título. O
Glorinha tentou protestar, mas o ditado é certo troféu no armário
ninguém mais tira. Contando ninguém acredita, parece mentira, mas
não é. – 100%
Morungava – Tem que ter concurso. Jair Wingert; jornalista.
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