Num ritual tétrico quase que todos os dias pela Rua Leão XIII vem ao centro empurrando um carrinho em busca de papel ou papelão. No peito o sonho como de qualquer outra menina de 8, 9 ou quem sabe 10 anos. Segue na sociedade globalizada e consumista a inversão de valores com a troca de papéis e hoje quem puxa carroça é o ser humano, numa mostra real da existência dos centauros dos pampas... Menina do Mônaco segue sua triste sina, todos os dias busca no centro da cidade papel, papelão e latas de refrigerante ou cerveja para vender por uns míseros centavos o quilo, para comprar pãezinhos a 1,99 o quilo. Não raro recolhe dos lixos restos de alimentos, um dia excelente é a segunda-feira quando encontra as sobras das festas de domingo, com sorte até pedaços de carne de um churrasco. Menina do Mônaco que como as outras meninas sonha nas vitrines da cidade com aquela boneca... Já sabe ler, apesar das dificuldades junta as letras para ler um folheto encontrado no lixo da Avenida Brasil, onde diz em letras garrafais: Brasil um país de todos! Menina do Mônaco dói no peito o teu sofrer e dói mais ainda saber que você não é a única... Vestidinho surrado, cabelo preso com borrachinha, segue empurrando a carrocinha em direção ao centro carregando muitas vezes os dois irmãozinhos – um de quatro e outro de seis anos que de forma lírica brincam com as revistas encontradas e se abrigam embaixo de uma lona amarela para fugir do chuvisqueiro da manhã cinzenta e fria de segunda-feira 23 de maio, onde os jornais anunciam que a Festa do Sapato será sucesso, que o Roma quer Damião, que Palocci segue solto e rico (e eu bobalhão continuo trabalhando e acreditando). No centro de Campo Bom os três guerreiros seguem a sua tétrica romaria e não raro disputam com os ratos, cães e gatos as sobras, alías, um dos grandes problemas do Brasil são os gatos.... Tem gato de mais...
Junto ao lixo de um grande mercado e padaria, desta feita chegam primeiro que os cães e a festa está feita, os olhos brilham ao encontrar os restos de um bolo, retiram as formigas e num ritual poético cantam parabéns a você, numa febril algazarra. Quem estava de aniversário? Não se sabe, talvez é o velho costume, onde tem bolo tem parabéns a você. Alheios a cena, alguns transeuntes que anestesiados a miséria humana continuam sua rotina, como se a menina do Mônaco e seus irmãos fossem invisíveis. E por falar em bolo, o último que a menina do Mônaco lembra foi feito de bolacha e ki-suco. O pai da menina do Mônaco só tem mais que seu pai, os filhos que tem. Ontem oleiro, depois sapateiro e hoje desempregado, vivendo a margem direita da Leão XIII e por ser direito não rouba, mas esconde as mágoas nos copos de algum boteco da vida. Menina do Mônaco chupa um gomo de cana para enganar a fome, enquanto o pai toma um gole de canha que é para dormir e não pensar. Menina do Mônaco se não tem boneca, sonhar nunca te foi negado... brinca com os raios de sol ou brinca com uma poça d´água... De que adianta sonhar ser um pássaro e acordar assoviando misérias... Menina do Mônaco segue sua caminhada e eu contristado faço a minha prece de Jó.
*Esta é uma obra de ficção ( será mesmo?) e qualquer semelhança com a vida real terá sido mera coincidência. (Será?)
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