quinta-feira, 21 de julho de 2011

UM NATAL INESQUECÍVEL

A amizade entre o ser humano e os animais é algo muito bonito e interessante. Os animais são presentes do criador e que nos ensinam diariamente lições, sobretudo de fidelidade, desprendimento  e valentia em defesa desta amizade. Existe um ditado popular bem certo: mais vale um cachorro amigo do que um amigo cachorro. Nas noites frias onde a temperatura faz renguear cusco aqui na Província de São Pedro, as rondas sociais das grandes capitais e das cidades do interior perambulam em busca de moradores de rua para levá-los aos albergues onde terão uma cama, alimento e a segurança de um teto. Numas das noites ouvindo o Brasil na Madrugada na Rádio Gaúcha fiquei sabendo por uma matéria que dois fatores  são muitas vezes empecilhos para que os moradores de rua não queiram passar a noite nos albergues, o primeiro é que é necessário tomar um banho, ou seja, fazer a higiene pessoal, mas muitos se negam a este expediente e o segundo e mais agravante é que nos albergues animais não podem entrar e aí a maioria dos moradores de rua optam em ficar ao lado dos seus amigos, num exemplo de amizade e lealdade que convida a refletir.  Cada cidade possui seus moradores que são peculiaridades, quem não lembra do Militão em Novo Hamburgo nos anos 70? E em Campo Bom do Eloí Louco do Rio Branco com seu carrinho de mão. O Eloi era uma figura, mas para nós crianças que não sabíamos que o mesmo sofria de distúrbios mentais era um “perigo”. O tempo passou, crescemos e aos poucos descobrimos que ele era um ser humano igual a nós e que precisava de ajuda e tratamento. Sempre acompanhado de cães pelos quais nutria profundo carinho e respeito.  Verão de 1976, o velho Eloi exímio fazedor de poço cavado, lembra quando não havia a Corsan o jeito era cavar um poço e dali se tirava água para beber, tomar banho, cozinhar, lavar. Naquela época o micróbio mais perigoso que a gente conhecia no Morro das Pulgas era um tal de tatu (não é aquele tatu que você colocava embaixo das classes na escola seu porcalhão e a gurizada as pensava que era chiclé Ping Pong), o tatu que eu falo é aquele com casco que fazia buracos. Não havia este negócio de poluição do lençol freático. Quando não estava em surto Eloi que odiava ser chamado de Cafuncho ou Tomé, fazia poços em Campo Bom especialmente no Rio Branco e Paulista. Pois num sol de rachar a gente retornava do centro e subia a Andradas esbaforido o velho Eloi conduzindo seu inseparável carrinho de mão, dentro do carro estava de carona, a laika uma cadela SRD – Sem Raça Definida, pêlo amarelado, a mesma estava faceira dentro do carrinho. Seguindo o Eloi, quatro filhotes da laika subiam a Andradas correndo atrás do carrinho, aí é que o cotidiano se transforma em inusitado. O velho Eloi de guerra, para o carrinho e com a voz estridente grita: “Laika desce já, onde é que já se viu tu aí de carona e os teus filhinhos tudo a pé... Não tem vergonha cara não?” A cena jamais me saiu da retina.... E assim como o Eloi existem tantos personagens pitorescos como atualmente a Maria do Rádio que está de casamento marcado com o ator que interpreta o Incrível Hulk, não o grandalhão, mas o Dr. Banner, ou então o Pelé que sempre está a espera de alguém que lhe conceda uns trocados. Outro dia ele estava na frente de um edifício aguardando uma pessoa que toda sexta-feira lhe repassa R$ 5,00 e como a mesma estava demorando, veja o comentário do Pelé para mim: “Oh do jornal tu vê já são quase 9 horas e a (......) ainda não desceu. Que coisa eu cheio de compromissos e aqui tendo que esperar”. Como diz o Tio Dino: tem que ter concurso. Pablo Neruda o maior poeta da America Latina nasceu no Chile escreveu que existem cenas que se eternizam e passam por nós e muitas vezes nos falta sensibilidade para observá-las.  Quem não conhece o Mosquito? É um cara legal, gente finíssima. Ele conta que é filho adotivo e nasceu em Porto Alegre, seu padrasto trabalhava na Linha Férrea e veio para Campo Bom lá pelo final dos anos 50, quando Campo Bom havia se emancipado. A família do Mauro ou Mosquito se fixou às margens da estrada de ferro, ali onde hoje é a Casa do Agricultor na Avenida São Leopoldo, por ali, o padrasto do Mosquito tinha uma casinha de madeira. O Mosquito lembra que trabalhou nas fábricas de calçados nos anos 70 e 80, depois veio à dependência química e com ela as seqüelas do uso destas substâncias nocivas a saúde. Esteve internado em vários centros de recuperação. Hoje o Mosquito vive na Aurora num local cedido por amigos (um quarto), mas está sempre no centro de Campo Bom. Nos tempos do antigo Bar do Cinema, espaço que volto a dizer não podia ter fechado (deveria ter sido desapropriado em nome da história e da cultura desta terra e transformado em numa Casa de Cultura. Se fosse prefeito teria feito!). Um dia próximo ao Bar do Cinema, Mosquito encontra Charles Kehl, o nosso ilustre amigo Chaleira e logo pede: “Oh seu Charles, não tem dois reais aí para tomar um café?”. Solicito como sempre, Chaleira leva a mão na carteira, mas alerta: “Vou te dar os dois pilas Mosquito, mas não vai tomar trago”.... Sorrindo, Mosquito com aquele olhar penetrante responde: “Fica frio Chaleira parei de beber, eu tô com fome, minha barriga tá roncando tanto que até parece que engoli um motoqueiro com moto e tudo”. Meia hora depois Chaleira segue pela Voluntários e vislumbra sabe quem? Quem? Mosquito na fila da Lotérica do Breno Thoen, indignado, Chaleira aborda o Mosquito e pergunta: “Pô Mosquito te dei  dois reais para o café e tu está aí na fila do jogo” E aí vem a pérola, nosso herói  sorrindo, mas endurecendo sem jamais perder a ternura, ataca: “Bah Chaleira, tu não  sabe que a Loto acumulou  e ai eu tô aqui jogando com os teus dois pilas, mas se eu ganhar, não te preocupa que a tua parte vai sair meu”. Outra cena poética  protagonizada pelo Mosquito aconteceu no Natal da Integração de 2002.  Todos na praça que é Largo e este escriba cobrindo o evento para um jornal da região, ali quase 10 mil pessoas se abraçavam emocionadas com as luzes e os fogos e um cantor famoso aqui do Rio Grande do Sul entoava “Noite Feliz”.... A canção melodiosa lembrando o nascimento do maior presente de Deus para a humanidade. Aos poucos vou deixando o Largo que é praça ou é o inverso? Não importa a canção ao fundo, atravesso a Adriano Dias cuidando da máquina do jornal e vejo Mosquito apanhando um cachorro quente, ou melhor o que sobrou de um cachorro quente numa lata de lixo em plena noite de Natal e aí fico observando, lentamente, Mosquito que foi batizado pelo nome de Mauro, senta junto a porta fechada da então Biblioteca embaixo da marquise, abre o pão e retira a salsicha e a seu lado um cãozinho, amigo inseparável, que atende pelo nome de Banzé se lambe e late num festejo. A cena não é observada por ninguém, pois os transeuntes passam e o Mosquito e o cão são como que invisíveis aos olhos. Na verdade todos nós muitas vezes estamos tão absortos que esquecemos de vivenciar o belo. Mosquito diz: “Tai Banzé, feliz natal para ti meu amigo”. Não pude conter a emoção e questionei: “Mosquito me responde uma coisa, por que tu deste a melhor parte do cachorro quente que é a salsicha para o Banzé?” E aí a resposta meus amigos fez este escriba chorar: “ Oh adventista para o melhor amigo a melhor parte. O Banzé cuida de mim, é um amigo de verdade”.... Dei um abraço no Mauro e desejei-lhe  feliz natal, não sem antes afagar o Banzé... No palco do Largo ou da Praça, o cantor dizia: “Como é que Papai Noel não se esquece de ninguém”. Natal de 2002, um natal inesquecível!